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quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Nefertiti

Nefertiti: uma rainha egípcia com a cabeça a prêmio
Por: Flavio Aguiar
Publicado em 29/12/2009
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Tags: A cabeça de Nefertiti, Museus de Berlim, Antiguidades egípcias

Até o momento as autoridades alemãs da área afirmam que não vão devolver a peça exigida por autoridades egípcias (Foto: Achim Kleuker/Neues Museum - Divulgação)
Ele (ou ela) tem 47 cm. de altura, pesa cerca de 20 quilos, é de pedra calcária, não tem o olho esquerdo, é uma escultura de 3.300 anos atrás com a reputação de ser uma das mais belas do mundo, e também uma das mais controversas do planeta.
Seu autor foi o artista Thutmose, o escultor favorito do faraó Akhenaten, e seu modelo, a rainha Nefertiti, esposa do monarca egípcio. O busto – ou cabeça – de Nefertiti estava entre as descobertas das escavações no Egito, promovidas pela Companhia Oriental Alemã (Deutsche Orient-Gesellschaft), uma empresa/fundação criada em 1898. Seu descobridor foi o arqueólogo Ludwig Borchardt, em 1912. No ano seguinte, em 1913, ele sentou-se à mesa com autoridades egípcias para negociar que peças, dentre as descobertas, seguiriam para a Alemanha, quais ficariam no Egito. Aqui começam as controvérsias.
Para Zahi Hawass, do Conselho Supremo do Egito para Antiguidades, o arqueólogo teria enganado as autoridades egípcias, fazendo-as crer que a peça era banal, quando já sabia que se tratava de algo de valor incalculável. Para Friederike Seyfried, da direção da coleção egípcia do Neues Museum, onde hoje se encontra Nefertiti, e outras autoridades alemãs da área, a retirada foi legal, já que contou com a anuência dos egípcios.

Hawass pediu durante anos a exibição de documentos que comprovassem a legalidade da transação. Afinal os documentos vieram à luz. E aumentaram a controvérsia. Porque na ata da reunião Nefertiti aparece como um “busto de argila de uma princesa egípcia”, enquanto no diário de Borchardt a peça já aparece como sendo da rainha e tendo um valor arqueológico e estético de primeira linha. Ou seja, o arqueólogo teria enganado os egípcios. Segundo versões teria até recoberto a peça com uma camada de argila para tornar a (suposta) fraude verossimilhante.
Ainda assim, até o momento as autoridades alemãs da área afirmam que não vão devolver a peça, até porque ela seria “frágil demais” para uma tal viagem. Esse argumento fica relativizado diante da viagem que a cabeça fez do Egito até Berlim, em condições certamente mais precárias do que quaisquer das que hoje são possíveis, e diante dos inúmeros deslocamentos que ela sofreu ao longo de sua permanência na Alemanha, inclusive os provocados pelos bombardeios de Berlim durante a Segunda Guerra.
A “fragilidade” da cabeça é outra: ela tornou-se um símbolo de Berlim. O Neues Museum, onde ela agora está exposta, foi reinaugurado em outubro desse ano, com a presença da chanceler Ângela Merkel. Anualmente milhares de visitantes acorrem à cidade para vê-la. Tudo isso desapareceria, se a cabeça fosse devolvida, além do reconhecimento, nessa altura, de que a retirada da peça do Egito não fora de todo “limpa”, mesmo que legalizada pelas atas da ocasião. Exposta em Berlim desde 1924, desde então o Egito tenta recupera-la, sem sucesso. Houve até uma proposta de devolve-la por volta de 1935, como um gesto de boa-vontade em relação ao Egito, mas o então chanceler Adolf Hitler vetou-a.
A questão é mais ampla: abrange toda a riqueza dos museus europeus (e de outras partes do mundo), conseguida em grande parte pelo verdadeiro saque (legalizado ou não) das potências imperiais antigas e modernas em países do terceiro, do quarto ou do quinto mundo. As reivindicações de devolução de peças, como as frisas do Parthenon de Atenas, que hoje estão no Museu Britânico, em Londres, são antigas. Os argumentos contrários variam, indo desde a legalidade ou legitimidade da posse até o de que os países de origem das peças não teriam condição de guarda-las. A este último argumento muitos países respondem que essas potências que se apossaram de seu patrimônio arqueológico deveriam contribuir com seu know-how – e suas finanças – para criar museus neles que pudessem guardar as peças em segurança, como parte de uma indenização pela exploração a que foram submetidos historicamente. Há casos extremamente complexos, como os das peças arqueológicas de Tróia, que estavam em Berlim, e que os russos levaram ao fim da Segunda Guerra. Berlim que-los de volta, a Rússia não devolve, alegando que são "despojos de guerra". A Turquia entrou na guerra, porque a antiga cidade de Tróia, de onde os despojos foram levados, fica em seu território. Até a Grécia, cujos guerreiros no poema de Homero destruíram Tróia, entrou na peleja.
A controvérsia promete ir longe, perturbando a paz da sem dúvida bela cabeça de Nefertiti. Já houve também quem afirmasse ser ela uma fraude, uma peça feita de encomenda para abrigar um colar que Borchardt, o arqueólogo, encontrara nas escavações. Mas além de seu autor, um pesquisador de nome Henri Stierlin, ninguém mais pareceu, até o momento, disposto a leva-la a sério. Examina-la a sério equivaleria, por exemplo, a abrir o túmulo de D. Sebastião, no Convento dos Jerônimos, em Portugal, para fazer um exame de DNA nos despojos que lá estão (ou devem estar) para verificar se são mesmo do rei morto ou desaparecido na batalha de Alcácer-Quibir. A história de Portugal tremeria.
Agora, a disputa entre o Egito e a Alemanha por Nefertiti vai continuar. Ou até se agravar. Depois da Segunda Guerra uma Comissão Internacional moveu céus e terra para devolver aos donos ou herdeiros obras de arte que tinham sido tomadas, roubadas, saqueadas ou simplesmente compradas a preços irrisórios pelos nazistas de famílias judaicas presas ou em fuga. Muitas delas estavam em museus, e muitos deles, no início, se recusavam a devolve-las, alegando o interesse da arte e a legitimidade das suas aquisições, feitas durante ou depois da Guerra. Ou ainda que os herdeiros não estavam interessados em arte, mas apenas no valor pecuniário das peças.
Na maior parte dos casos, esses argumentos não prevaleceram e as devoluções foram feitas. Houve até casos (raros, é verdade) de herdeiros que, uma vez de posse das mesmas, as redoaram aos museus onde elas se encontravam.
A pergunta que fica no ar é por que não se agir do mesmo modo em relação aos países do terceiro mundo.

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