Democracia:

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"Ensina-me SENHOR a ver as minhas próprias faltas e apaga-me a vocação de descobrir as faltas alheias." Emanuel

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Nefertiti

Nefertiti: uma rainha egípcia com a cabeça a prêmio
Por: Flavio Aguiar
Publicado em 29/12/2009
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Tags: A cabeça de Nefertiti, Museus de Berlim, Antiguidades egípcias

Até o momento as autoridades alemãs da área afirmam que não vão devolver a peça exigida por autoridades egípcias (Foto: Achim Kleuker/Neues Museum - Divulgação)
Ele (ou ela) tem 47 cm. de altura, pesa cerca de 20 quilos, é de pedra calcária, não tem o olho esquerdo, é uma escultura de 3.300 anos atrás com a reputação de ser uma das mais belas do mundo, e também uma das mais controversas do planeta.
Seu autor foi o artista Thutmose, o escultor favorito do faraó Akhenaten, e seu modelo, a rainha Nefertiti, esposa do monarca egípcio. O busto – ou cabeça – de Nefertiti estava entre as descobertas das escavações no Egito, promovidas pela Companhia Oriental Alemã (Deutsche Orient-Gesellschaft), uma empresa/fundação criada em 1898. Seu descobridor foi o arqueólogo Ludwig Borchardt, em 1912. No ano seguinte, em 1913, ele sentou-se à mesa com autoridades egípcias para negociar que peças, dentre as descobertas, seguiriam para a Alemanha, quais ficariam no Egito. Aqui começam as controvérsias.
Para Zahi Hawass, do Conselho Supremo do Egito para Antiguidades, o arqueólogo teria enganado as autoridades egípcias, fazendo-as crer que a peça era banal, quando já sabia que se tratava de algo de valor incalculável. Para Friederike Seyfried, da direção da coleção egípcia do Neues Museum, onde hoje se encontra Nefertiti, e outras autoridades alemãs da área, a retirada foi legal, já que contou com a anuência dos egípcios.

Hawass pediu durante anos a exibição de documentos que comprovassem a legalidade da transação. Afinal os documentos vieram à luz. E aumentaram a controvérsia. Porque na ata da reunião Nefertiti aparece como um “busto de argila de uma princesa egípcia”, enquanto no diário de Borchardt a peça já aparece como sendo da rainha e tendo um valor arqueológico e estético de primeira linha. Ou seja, o arqueólogo teria enganado os egípcios. Segundo versões teria até recoberto a peça com uma camada de argila para tornar a (suposta) fraude verossimilhante.
Ainda assim, até o momento as autoridades alemãs da área afirmam que não vão devolver a peça, até porque ela seria “frágil demais” para uma tal viagem. Esse argumento fica relativizado diante da viagem que a cabeça fez do Egito até Berlim, em condições certamente mais precárias do que quaisquer das que hoje são possíveis, e diante dos inúmeros deslocamentos que ela sofreu ao longo de sua permanência na Alemanha, inclusive os provocados pelos bombardeios de Berlim durante a Segunda Guerra.
A “fragilidade” da cabeça é outra: ela tornou-se um símbolo de Berlim. O Neues Museum, onde ela agora está exposta, foi reinaugurado em outubro desse ano, com a presença da chanceler Ângela Merkel. Anualmente milhares de visitantes acorrem à cidade para vê-la. Tudo isso desapareceria, se a cabeça fosse devolvida, além do reconhecimento, nessa altura, de que a retirada da peça do Egito não fora de todo “limpa”, mesmo que legalizada pelas atas da ocasião. Exposta em Berlim desde 1924, desde então o Egito tenta recupera-la, sem sucesso. Houve até uma proposta de devolve-la por volta de 1935, como um gesto de boa-vontade em relação ao Egito, mas o então chanceler Adolf Hitler vetou-a.
A questão é mais ampla: abrange toda a riqueza dos museus europeus (e de outras partes do mundo), conseguida em grande parte pelo verdadeiro saque (legalizado ou não) das potências imperiais antigas e modernas em países do terceiro, do quarto ou do quinto mundo. As reivindicações de devolução de peças, como as frisas do Parthenon de Atenas, que hoje estão no Museu Britânico, em Londres, são antigas. Os argumentos contrários variam, indo desde a legalidade ou legitimidade da posse até o de que os países de origem das peças não teriam condição de guarda-las. A este último argumento muitos países respondem que essas potências que se apossaram de seu patrimônio arqueológico deveriam contribuir com seu know-how – e suas finanças – para criar museus neles que pudessem guardar as peças em segurança, como parte de uma indenização pela exploração a que foram submetidos historicamente. Há casos extremamente complexos, como os das peças arqueológicas de Tróia, que estavam em Berlim, e que os russos levaram ao fim da Segunda Guerra. Berlim que-los de volta, a Rússia não devolve, alegando que são "despojos de guerra". A Turquia entrou na guerra, porque a antiga cidade de Tróia, de onde os despojos foram levados, fica em seu território. Até a Grécia, cujos guerreiros no poema de Homero destruíram Tróia, entrou na peleja.
A controvérsia promete ir longe, perturbando a paz da sem dúvida bela cabeça de Nefertiti. Já houve também quem afirmasse ser ela uma fraude, uma peça feita de encomenda para abrigar um colar que Borchardt, o arqueólogo, encontrara nas escavações. Mas além de seu autor, um pesquisador de nome Henri Stierlin, ninguém mais pareceu, até o momento, disposto a leva-la a sério. Examina-la a sério equivaleria, por exemplo, a abrir o túmulo de D. Sebastião, no Convento dos Jerônimos, em Portugal, para fazer um exame de DNA nos despojos que lá estão (ou devem estar) para verificar se são mesmo do rei morto ou desaparecido na batalha de Alcácer-Quibir. A história de Portugal tremeria.
Agora, a disputa entre o Egito e a Alemanha por Nefertiti vai continuar. Ou até se agravar. Depois da Segunda Guerra uma Comissão Internacional moveu céus e terra para devolver aos donos ou herdeiros obras de arte que tinham sido tomadas, roubadas, saqueadas ou simplesmente compradas a preços irrisórios pelos nazistas de famílias judaicas presas ou em fuga. Muitas delas estavam em museus, e muitos deles, no início, se recusavam a devolve-las, alegando o interesse da arte e a legitimidade das suas aquisições, feitas durante ou depois da Guerra. Ou ainda que os herdeiros não estavam interessados em arte, mas apenas no valor pecuniário das peças.
Na maior parte dos casos, esses argumentos não prevaleceram e as devoluções foram feitas. Houve até casos (raros, é verdade) de herdeiros que, uma vez de posse das mesmas, as redoaram aos museus onde elas se encontravam.
A pergunta que fica no ar é por que não se agir do mesmo modo em relação aos países do terceiro mundo.

Drummond

Drummond e a política
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Por Adelto Gonçalves, de Santos, São Paulo




Carlos Drummond de Andrade

I

Que o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) sempre procurou passar à posteridade a imagem de um intelectual modernista, esforçando-se para apagar o seu passado de engajamento na cena política do país, não é novidade. Mas como usava, ainda que não ostensivamente, as boas relações de que desfrutava com os poderosos especialmente nas décadas de 30 e 40, isso não havia sido bem delineado até agora.

É o que faz o professor Roberto Said em A angústia da ação: poesia e política em Drummond, ao traçar um retrato muito mais nítido, sem retoques, do homem Carlos Drummond de Andrade do que aquele que se tinha até aqui, completando, de certa maneira, a biografia que José Maria Cançado (1952-2006) escreveu, Os sapatos de Orfeu (São Paulo: Página Aberta, 1993; Editora Globo, 2006), aliás, o único estudo do gênero que temos até hoje.

Nesse notável estudo biográfico, Cançado já havia chamado a atenção para o oxímoro “dessemelhante absoluto”, criado pelo próprio poeta, que define a personalidade dúbia e hesitante de Drummond, que parecia não pertencer a nada, mas que, por isso mesmo, mostrava-se “condenado a participar de tudo”. Com base nisso, Said procura desenvolver a ideia borgeana do duplo: assim o poeta e o funcionário público Drummond constituiriam uma dupla personalidade, embora a mão que escrevia um arrojado poema modernista fosse a mesma que preparava discursos para políticos conservadores que de modernos só tinham aquilo mesmo: o discurso.
II

Para o leitor que desconhece a biografia de Drummond, é preciso que se diga que, mesmo em linhas gerais, o que foi a adesão do poeta ao grupo político que chegou ao poder com o golpe civil-militar de 1930, que, até hoje, alguns historiadores distraídos ainda chamam de Revolução de 30. Antes disso, porém, é preciso dizer que esse golpe nada teve de modernizante no sentido de que tenha representado uma revolução para um Brasil arcaico. Pelo contrário. Não passou de rearrumação entre elites carcomidas, pois não há nenhuma prova de que algumas das conquistas trabalhistas que viriam com a Era Vargas não teriam se dado se a velha política do café-com-leite tivesse permanecido no poder por mais uma ou duas décadas.

Quem já leu as crônicas de Lima Barreto (Toda Crônica, v. I (1890-1919), v.II (1919-1922. Rio de Janeiro: Agir, 2004) sabe como eram odiados os cafeicultores paulistas que mandaram e desmandaram durante a República Velha (1889-1930). Lá se vê, por exemplo, um cronista indignado com os “assaltos” que as elites paulistas faziam às burras do erário nacional, a pretexto de levantar subsídios e empréstimos a juros maternais, que quase sempre não pagavam, embora o café fosse considerado a grande riqueza nacional. Que riqueza era essa que necessitava de tanta subvenção?, questionava o cronista, revoltado.

O pretexto para o golpe foi que as eleições de 1930 teriam sido fraudadas, com a escolha do paulista Júlio Prestes (1882-1946) para suceder a Washington Luís (1869-1957). Mas o governo também fazia a mesma acusação aos oposicionistas da Aliança Liberal. E ambos os lados tinham razão. Quem podia fraudava: a contagem dos votos dependia da vontade política do manda-chuva de cada Estado ou região. Depois, em 1932, os oligarcas de São Paulo tentaram dar o contragolpe, a pretexto de defender a reforma eleitoral e a convocação de uma Assembléia Constituinte. Que 77 anos depois o governo de São Paulo ainda convoque a população para comemorar essa derrota é coisa que causa espanto e que só se explica pela necessidade que as elites têm de fabricar heróis.

Mesmo assim, este articulista, particularmente, acredita que, fosse como fosse, o Brasil teria tido um futuro um pouco melhor se a oligarquia paulista tivesse continuado à frente do país. Pelo menos era uma gente, ao menos em público, mais refinada e preocupada em construir um regime democrático, ainda que fosse a democracia dos que vivem no andar de cima.

Sem dúvida, a facção que afastou temporariamente a oligarquia paulista do poder político – mas não do poder econômico – era mais atrasada, de concepções arcaicas. Com Getúlio Vargas (1882-1954), um fazendeiro da fronteira sulina que havia sido ministro da Fazenda do governo deposto, acostumado a cometer toda a sorte de arbitrariedades, foi o Brasil profundo que se instalou no Palácio do Catete e nas demais instâncias do poder, com tudo o que isso representava: mandonismo, ditadura, perseguições, tortura dos adversários políticos.

Mas que isto não sirva para dourar os brasões das elites paulistas: o que unia as facções oligárquicas em luta era a avidez por propinas, lucros exorbitantes e favores do Estado, sem que se incomodassem com o fato de que essa política levava à mendicância as classes subalternas ou as atirava à aventura de uma guerra civil, se isso fosse necessário para defender seus privilégios. Tal como hoje, para essas elites, o poder sempre representou um butim a ser dividido.

E foi a uma dessas facções que Drummond colocou a serviço a sua pena, ajudando-a a alcançar e exercitar o poder, preparando-lhe um discurso modernizante. Estes são os fatos, ainda que os intelectuais procurem explicações mais rebuscadas para o ato. Não foi, portanto, um papel de que alguém, no fim da vida, pudesse se orgulhar. Talvez isso explique por que Drummond sempre procurou escamotear o passado, como se quisesse reescrevê-lo ou torná-lo menos importante. Mas que não foi politicamente discreto esse papel, não foi, ainda que o poeta tivesse uma personalidade tímida.
III

Como se sabe, Drummond era amigo de adolescência de Gustavo Capanema (1900-1985), a quem conheceu em 1916 no colégio. Foi Capanema quem o levou para o funcionalismo público em 1930 e para o Ministério da Educação e Saúde em 1934. Durante anos, Drummond foi chefe de gabinete do ministro Capanema, atuando muito mais na sombra como faz todo aquele que ocupa esse cargo.

Said lembra que Drummond sempre procurou rebater a acusação de que havia trabalhado a serviço de uma ditadura, alegando que não passara de um burocrata. Não é o que os documentos mostram, embora, no fim da vida, procurasse apagar a nódoa, atribuindo a sua participação na ditadura mais aos vínculos afetivos que o ligavam a Capanema.

Um exercício de dialética porque o poeta não seria um homem tão tolo assim que não soubesse o que faziam nos porões do governo a que servia. Até porque ninguém chega a um alto cargo estatal, se não se render às exigências do poder.

A importância da obra de Said está em mostrar que as “fissuras vividas” por Drummond não são externas ao seu texto poético, “mas, ao contrário, condições de possibilidade para a sua realização”. De fato, não existia até aqui uma obra que tivesse investigado tão a fundo os envolvimentos do poeta com a política, atividade que começou ainda em Belo Horizonte na década de 1920, quando foi redator-chefe do Diário de Minas, órgão conservador, que deixou em 1929 para dirigir a campanha da Aliança Liberal no Minas Gerais, jornal oficial do Estado.

Vitorioso o movimento golpista, Drummond tornou-se o assessor mais importante do interventor Gustavo Capanema, até que, em 1934, com a ascensão do amigo a ministro, transferiu-se para o Rio de Janeiro. Como observa Said, no centro político e cultural da Nação, o poeta iniciou uma decisiva etapa em sua vida, consolidando sua carreira no funcionalismo, além de ocupar espaço nos principais jornais da capital da República, especialmente nos Diários Associados, de Assis Chateaubriand (1892-1968), que, por influência do todo-poderoso Capanema, pagavam-lhe pela sua colaboração.

No Ministério da Educação, Drummond permaneceria até 1945, ano em que assumiu, por influência política, obviamente, a Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), órgão pelo qual se aposentou. É de lembrar que, ao final da Segunda Guerra Mundial, Drummond demitiu-se do cargo, afastando-se do governo Vargas, mas sem romper com o amigo Capanema. Foi por essa época, quando havia fortes pressões em favor da redemocratização do país, que teve uma breve e tumultuada passagem pelo jornal A Tribuna, do Rio de Janeiro, órgão do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Como provavelmente logo concluiu que aquilo não iria levar a nada, a não ser a complicações em sua vida pessoal, retornou ao funcionalismo público, ao mesmo Sphan.
IV

Resultado de pesquisa desenvolvida junto à correspondência de Drummond no acervo da Fundação Casa de Rui Barbosa, do Rio de Janeiro, este trabalho acadêmico revela também o extenso papel político exercido pelo funcionário público, estabelecendo sua participação em favores do Estado a boa parcela de escritores e críticos do Modernismo, desde pedidos de emprego até interferência direta em projetos ou questões mais complexas, como a construção do edifício do Ministério da Educação, a cargo de Oscar Niemeyer (1907) e Lúcio Costa (1902-1998), ou na feitura dos painéis internos do mesmo prédio, entregues a Candido Portinari (1903-1962).

Diz Said que, ao longo dos anos de 1930 e 1940, período das cartas pesquisadas, Drummond aparece não só como o poeta de maior prestígio na literatura brasileira, “mas sobretudo como um intelectual influente, que, ao se valer de seus poderes na máquina pública, traçava em torno de si complexas relações de débitos e créditos simbólicos, revertidos, direta ou indiretamente, para o próprio Estado”. E para si mesmo, acrescente-se.

Mesmo assim, o poeta nunca se reconheceu como um intelectual cooptado, como membro de uma intelligentsia nem tampouco como mediador de projetos culturais, diz Said, deixando claro que seus argumentos convenceram até um crítico do quilate de Antonio Candido (1918) que, ao lhe conferir uma posição política progressista, defendeu que a inserção nos quadros públicos estatais não implicaria necessariamente uma submissão ideológica ao regime nem tampouco uma posição política conservadora. Para Candido, como chefe de gabinete do ministro da Educação, Drummond teria vivido a fase mais ativa de sua militância intelectual de poeta comprometido com os ideais de esquerda.

Said cita também Sérgio Miceli, autor de Intelectuais e classe dirigente no Brasil: 1920-1945 (São Paulo: Difel, 1979) e Intelectuais à brasileira (São Paulo: Companhia das Letras, 2001), que procurou desconstruir a aura de transgressão absoluta que foi conferida ao Modernismo, defendendo que o campo literário foi cooptado pelo campo político, o que incluiria, obviamente, Drummond, apesar do esforço dialético de Antonio Candido e do próprio poeta em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo à época da publicação do primeiro livro.

Said, porém, preferiu não se alinhar com nenhuma das duas teses, procurando, isso sim, demonstrar como a trajetória de Drummond assinala os dilemas a que estavam submetidos os escritores de sua geração. O resultado é uma imagem de Drummond um pouco diferente daquela que costuma ter quem apenas se limita ler seus poemas. Nem melhor nem pior, porém, mais humana, ao expor suas fraquezas e contradições.
V

Graduado em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 1996, Roberto Said tem mestrado (2002) e doutorado (2006) cursados no Programa de Pós-Gradução em Estudos Literários da Faculdade de Letras dessa instituição. Realizou estágio de doutorado na Universidade de Buenos Aires (2004). Concluiu recentemente pesquisa de pós-doutorado (2008) no Acervo de Escritores Mineiros (UFMG). Tem experiência na área de Letras, Comunicação e Cultura brasileira, com ênfase em Teoria da Literatura, Literatura Brasileira, História e Memória Cultural, atuando principalmente nos seguintes temas: literatura comparada, modernidade, pós-modernidade, filosofia, nação, biografia, memória cultural, arquivos e acervos literários. Organizou recentemente o livro Margens teóricas: memória e acervos literários (Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008).

25/7/2009

Fonte: ViaPolítica/O autor

A ANGÚSTIA DA AÇÃO: POESIA E POLÍTICA EM DRUMMOND, de Roberto Said. Curitiba: Editora da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Belo Horizonte: Editora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), 142 págs. 2005.

E-mails: editora@ufpr.br
editora@ufmg.br

Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage: o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003).

E-mail: adelto@unisanta.br

FARC

MIÉRCOLES 30 DE DICIEMBRE DE 2009
Entrevista a Jorge Enrique Botero: ¡Las FARC son invencibles!

Dax Toscano Segovia (especial para ARGENPRESS.info)

A la “bellísima Lucero” y a su compañero de lucha, Simón Trinidad.

Días antes de contactar con Jorge Enrique Botero, el entrevistador había empezado a leer un libro de la autoría del periodista colombiano llamado “Simón Trinidad, un hombre de hierro.” La lectura lo enganchó desde un inicio, al tratarse no sólo de los pasajes de la vida de uno de los comandantes de las FARC-EP, hoy detenido injustamente en una cárcel estadounidense, país al que fue extraditado con el beneplácito de Uribe, sino porque allí también se explica la historia de resistencia y rebeldía de un pueblo que ha sufrido los embates de la criminal oligarquía criolla santanderista y del voraz imperialismo yanqui, lo cual permite, a su vez, comprender el por qué la insurgencia colombiana es la fuerza revolucionaria que, levantada en armas, se ha constituido en el ejército de las y los colombianos que forman parte de esa gran masa de desposeídos, desplazados y violentados por esos grupos de poder y sus aparatos criminales militares y paramilitares.

Botero es un periodista distinto a aquellos melindrosos cretinos que circulan por los escenarios de las oficinas de las industrias mediáticas. Ataviado con su traje de combate, Jorge Enrique se mete en los lugares más recónditos para indagar, investigar sobre los hechos, pero sobre todo para, a través de una práctica militante consecuente no sólo con la actividad periodística, sino con la causa revolucionaria, dar a conocer objetiva y verazmente lo que sucede en los escenarios en los cuales se lleva adelante la lucha por conquistar la Nueva Colombia.

A pesar de las acusaciones que contra él han vertido el narcoparamilitar presidente de Colombia, Álvaro Uribe Vélez y sus acólitos, no tiene ningún temor de exponer con claridad las mentiras que se vierten contra las FARC-EP a través de una muy efectiva campaña propagandística, difundida por los medios al servicio de la oligarquía colombiana y el imperialismo yanqui.

Con sus conocimientos, resultado también de sus vivencias y de su actividad reporteril, así como de un amplio saber sobre la historia de su país, ha podido demostrar que la insurgencia colombiana no es una agrupación de terroristas, sino de hombres y mujeres con profundas convicciones e ideales revolucionarios que luchan por cambiar la situación oprobiosa en la que está sumida la mayoría de colombianas y colombianos.

Jorge Enrique Botero representa lo que las y los periodistas deberían ser: profundos conocedores de la historia y la realidad social de los pueblos, indagadores asiduos que van en busca de la raíz de las cosas, personas con convicciones profundas y con sólidos principios, luchadores y revolucionarios consecuentes con la causa de los oprimidos y explotados y no rastreros y dóciles repetidores de lo que los amos de las industrias mediáticas les obligan a decir.

Con Botero se comprende en realidad lo que es la insurgencia colombiana, representada principalmente por las FARC-EP.

1. La propaganda del imperialismo y la oligarquía santanderista colombiana, expuesta principalmente a través de sus industrias mediáticas ha calificado a las FARC-EP como una organización terrorista, de narcotraficantes. Como periodista e investigador ¿qué puedes decir sobre estas aseveraciones?

Le contestaría Dax lo mismo que le dije a un tribunal de EE.UU. cuando juzgaban a uno de los comandantes de las FARC extraditados a ese país, Simón Trinidad, en virtud de un tratado que hay entre el gobierno de Colombia y el de EEUU, cuando me preguntó el fiscal qué eran para mí las FARC. Yo le contesté y le respondo a usted que para mí las FARC son una organización político-militar alzada en armas contra el Estado colombiano desde hace ya casi cincuenta años, que tiene una estructura y una forma organizativa que la hace ser un ejército rebelde dentro del territorio colombiano y que tiene y está inspirada por ideales y convicciones políticas e ideológicas, extendida por todo el territorio colombiano y que tiene una decidida vocación de poder y que, en este momento, es un factor de poder en el país.

No es de ninguna manera una organización terrorista. Me parece que esa ha sido una pérfida creación mediática orientada y dirigida por las élites de Colombia y de EE.UU. aprovechándose un poco en la coyuntura posterior al 11 de septiembre de 2001 y sustentada en evidencias inexistentes, puesto que no hay pruebas de eso.

Se menciona mucho cierto tipo de acciones que ejecutan las FARC para sustentar su supuesta condición de organización terrorista, como por ejemplo el tema de las retenciones que hacen las FARC. Este es uno de los caballos de batalla fundamentalmente con los que se trabaja esta idea del terrorismo de las FARC.

Yo puedo dar fe, porque he estado allí, de la condición de prisioneros de guerra que tienen los miembros de la fuerza pública actualmente en poder de la insurgencia. Personas que cayeron en poder de su adversario después de horas y horas de combates, de enfrentar con balas a su adversario. Entonces, unas personas que duraron diez, quince horas combatiendo y que caen en poder de su adversario, mal se pueden llamar secuestrados. Son prisioneros de guerra. Eso no tiene otra denominación.

Por otra parte se acusa a la insurgencia armada de ser una organización terrorista porque supuestamente hacen reclutamientos forzados de menores de edad. ¡Eso es absolutamente falso! Yo he podido constatar esta situación también en mi trabajo de reportería.

Evidentemente hay menores de edad en la insurgencia. Eso es una cuestión innegable y tampoco es algo que oculte la insurgencia. Cuando las cámaras de todo el mundo entraron a la zona del Caguán pudieron registrar, abierta y libremente, la presencia de menores de edad allí. Pero la explicación de la presencia de menores de edad ahí no tiene nada que ver con un reclutamiento forzado. Tiene que ver con la falta de oportunidades y de futuro que tienen esos muchachos, de la ausencia total del Estado, de una perspectiva educativa y de la ausencia total, en muchos casos, de condiciones materiales adecuadas para su desarrollo. Pero es más, yo diría que la gran mayoría de los menores de edad que militan en las filas insurgentes están allí porque sus padres o sus familiares han sido asesinados, bien sea por las fuerzas del paramilitarismo o bien sea por las mismas fuerzas del Estado. Yo he visto niños que llegan allá huyendo de episodios escalofriantes de violencia. Y ¿qué hace la guerrilla? Pues acogerlos, no los va a dejar ahí a su destino, a su suerte.

Por otra parte, por ejemplo, puedo dar testimonio que son niños que no participan directamente de la confrontación bélica, que no están sometidos a los terribles riesgos del combate y que más bien desempeñan funciones logísticas que van acompañadas, entre otras cosas, pues esto es muy irónico, ya que la acusación de terrorismo a las FARC en materia de reclutamiento a menores es una verdadera ironía, porque lo que ve uno allá es a esos menores, que se han visto obligados a tomar esa decisión, aprendiendo a leer, a escribir, alfabetizándose en el mundo insurgente.

Entonces ¿cuál violación al derecho internacional humanitario se está constituyendo ahí? A mi modo de ver ninguna.

En fin, hay una serie de acusaciones que carecen totalmente de evidencia, no son más que una construcción mediática.

2. Otra de las acusaciones que se hacen a las FARC como parte de la campaña de desprestigio llevada en su contra, que se ha hecho más evidente desde el asesinato de Raúl Reyes, de Iván Ríos, las deserciones de personas que supuestamente tenían un alto rango en la estructura militar de las FARC como Karina o la traición de los dos comandantes en la famosa Operación Jaque, es que esta organización revolucionaria está desmoralizada, en vías de ser derrotada y que sus combatientes están ahí ya no por principios revolucionarios, sino solamente para delinquir. Tú que conoces de cerca a las FARC-EP y que has estado en campamentos guerrilleros ¿qué puedes decir al respecto?

Bueno, es evidente que a lo largo del año 2007 y 2008 y en desarrollo de una gigantesca operación militar que ha costado miles y miles de millones de dólares al gobierno de EE.UU. y al gobierno de Colombia, operación en la que se hacen uso de los más sofisticados aparatos de la tecnología moderna en el terreno bélico, las FARC recibieron una serie de golpes que, primero que todo, comprueban que el Estado colombiano y su gran aliado EE.UU. tienen que invertir sumas monstruosas de dinero para poder confrontar a su adversario, lo cual de entrada desmiente aquella idea de que en Colombia no hay un conflicto armado. Pero bien, recibieron golpes, es una guerra y en esa guerra hay momentos de desequilibrio de la balanza militar.

Recuerdo, por ejemplo, que en el año 98 las FARC asestaron más o menos 10 golpes de grandes proporciones a las fuerzas militares y llegaron a tener 500 soldados y policías en su poder como prisioneros de guerra. La balanza militar estaba decididamente a favor de la insurgencia. Entre otras cosas, algunos analistas dicen que fue eso lo que obligó al gobierno del presidente Pastrana a llegar a una negociación política que se conoció como la negociación del Caguán.

Ahora, los golpes sufridos por las FARC en este tiempo, indudablemente resintieron la estructura y, porque no, el ánimo de la insurgencia. Para una guerrilla cuyo gran mito fundacional, cuyo gran emblema, cuya luz era Manuel Marulanda Vélez, ya no tenerlo por supuesto que representaba un golpe anímico. Los episodios que usted menciona de la muerte en territorio ecuatoriano del Comandante Raúl Reyes, del posterior asesinato de Iván Ríos, etc. generaron también efectos en la estructura militar porque eran jefes guerrilleros y sobre sus hombros pesaban una cantidad de responsabilidades que había que reemplazar.

Pero le quiero decir Dax, yo como observador atento de esa realidad pronostiqué en aquellos momentos que a la guerrilla le iba a costar muchísimo tiempo y esfuerzo para reponerse de los golpes sufridos. Y en desarrollo de mi trabajo de reportería y de seguimiento del conflicto colombiano volví al mundo insurgente en varias ocasiones después de esos episodios y yo me he quedado verdaderamente sorprendido, atónito, diría yo, con la capacidad de recuperación que tiene la guerrilla. Quizás porque, digamos, su fuerza interior es muy grande o porque sus mitos fundacionales y sus propósitos son a prueba de todo o quizás porque también lo habían previsto todo.

Yo recuerdo mucho en mis viajes a entrevistar al Comandante Raúl Reyes, que yo le mencionaba con pesar o le hacía ciertas condolencias porque me enteraba del asesinato o de la muerte en combate de algún guerrillero que conociéramos los dos y él se sorprendía por mi preocupación. Decía “pero nosotros tenemos asumido que si estamos en una guerra lo más normal que puede suceder es la muerte”. Ellos tienen asumido eso desde que toman las armas y se enfrentan al Estado. También saben que una de las posibilidades, e incluso una de las mayores posibilidades de su vida, es la muerte. Entonces, yo no sé en realidad cuáles son los resortes o la suma de resortes que han hecho que hoy en día, después de semejantes golpes, las FARC estén nuevamente en una disposición combativa quizás mayor a la de hace unos años y que hayan tenido ésta enorme capacidad de recuperación.

Yo creo que el discurso de este oficial de los altos mandos militares y del propio presidente Uribe en el sentido de que las FARC están a punto de ser exterminadas, a unas pocas horas de su disolución total, no es más que una aspiración de ellos, un sueño.

Pero yo lo he dicho con todas sus letras, y no lo digo como una consigna, sino lo digo como una realidad histórica, comprobable por la ciencia, por la historia, por la política que ¡las FARC son invencibles, son invencibles!

La otra discusión es si están en posibilidades o en capacidad de llegar al poder. Esa es otra discusión. Pero no las van a aniquilar. Y como no las van aniquilar, esto nos llevaría indefectiblemente a concluir, si somos seres humanos sensatos, pensando en un país, en el futuro de la sociedad colombiana y el ámbito latinoamericano, que la única salida es una negociación política, es la vía del diálogo, es la vía de la suscripción de un gran pacto de paz que le devuelva a los colombianos algo que es muy preciado y que no hemos podido acariciar durante cinco décadas, que es la paz y que nos deje ver el futuro de otra manera, no en esta terrible sensación permanente de belicismo y agresividad a la que nos tiene acostumbrado el gobierno de Uribe.

3. Muy pocas personas pueden tener acceso a una información objetiva, veraz de lo que realmente constituyen las FARC-EP. Esta situación ha permitido que la propaganda del imperialismo y de los regímenes narcoparamilitares colombianos haya pegado mucho en la gente que cuando escucha sobre las FARC, como ha internalizado de tal manera ese discurso de los poderosos, califiquen a esta organización como de terroristas. Como comunicador social ¿qué elementos consideras tú que caracterizan a esa propaganda y cómo enfrentar esa propaganda para que las personas comprendan mejor que son las FARC-EP?

Importantísima ésta pregunta Dax, porque yo creo que ahí está el nudo que hay que desatar. Yo creo que la sociedad colombiana está aterrorizada. El gran trabajo mediático conducido desde las más altas esferas del poder, económico sobre todo, es hacerle creer a la sociedad colombiana que hay un enemigo al acecho, que estamos en medio de los peores peligros y que hay que cerrar filas y que hay que estimular o apoyar aquella idea de que la única forma de acabar con ese monstruo que supuestamente está allá, listo para devorarse a la sociedad colombiana, es con todo los fuegos, con todos los hierros.

Fíjese que a la construcción de la amenaza terrorista de las FARC, que así la denomina el presidente Uribe, le han agregado otro gran demonio que tiene aterrorizada y paralizada a la sociedad colombiana. Hay movimientos de resistencia, hay gente en la calle y está la insurgencia armada, pero si usted se pone a ver en conjunto la sociedad colombiana, ésta está absolutamente paralizada y eso lo hacen también construyendo el otro demonio que es, ni más ni menos, que el presidente Chávez. Falta poco para que en las rutinas familiares de Colombia, aquella vieja amenaza a los niños de que si no se toman la sopa le traigo a yo no sé quien, se convierta en si no se toman la sopa le traigo a Chávez. Es impresionante el nivel de macartización, estigmatización y caricaturización que han hecho del presidente de Venezuela los medios colombianos.

Entonces, en esa atmósfera de sociedad paralizada, que repito ha sido la gran construcción mediática y con eso te contesto a la primera parte de la pregunta, yo veo que no nos queda otro camino que de estimular y darle todo el apoyo, impulso, esfuerzo que sea posible a aquellas expresiones comunicativas que se salen del discurso oficial.

Hablábamos ayer contigo en la inauguración de este encuentro continental de periodistas de la cantidad de herramientas que hay al alcance ahora, y también hablábamos de la afortunada aparición de Telesur en el espectro electromagnético de nuestro continente. Y hablábamos hasta de las paredes, en fin, yo pienso Dax de que no nos queda otra de que si nos han desafiado a una guerra mediática, ¡a las armas mediáticas, con todos los fierros, con todas las herramientas a nuestro alcance!

Hay que contrarrestar de mil maneras este ataque tan horrible de que estamos siendo víctimas desde los medios de comunicación, no nosotros como revolucionarios, las sociedades, la sociedad colombiana en el caso nuestro y la sociedad latinoamericana que pareciera adormecerse un poco ante el excelente y exitosísimo proyecto comunicacional que impulsan las élites.

Esto también les tenemos que aprender. Yo no creo que vamos a apelar nunca a las inmundicias que apelan ellos y a las manipulaciones. Pero desde el punto de vista técnico, desde el punto de vista estético, de calidad, tenemos que aprender y utilizar muchos de esos recursos, porque repito, si algo tenemos que reconocer es que su tarea se ha logrado, ha sido eficaz. Es una porquería, es un atropello, es una cosa maquiavélica, pero eficaz. Entonces nos toca redoblar los esfuerzos con gran decisión, para ver si logramos revertir o nivelar la situación un poco en esta materia.

4. Parte de los ataques contra las FARC-EP constituye la criminalización de todas y todos quienes, de una u otra manera, manifestamos nuestro apoyo a la insurgencia colombiana. A ti te han calificado como un vocero de “los terroristas”. Esto ha conllevado a que incluso las propias organizaciones de izquierda e intelectuales que han expresado cierto respaldo a las FARC-EP, tengan miedo de hacerlo con mayor frontalidad, manteniéndose en silencio, mientras el imperialismo y la oligarquía vociferan lo que les place. ¿Qué hacer para enfrentar ésta campaña de amedrentamiento, que conduce al silenciamiento?

Yo tengo una teoría sobre eso. Lo que buscan con ésta tarea de criminalizar, estigmatizar y ponerle una etiqueta, un inri a las personas es básicamente amedrentarnos, para que nos ocultemos, nos escondamos, nos vayamos y, por ejemplo, yo que estoy en Colombia que me vaya para Ecuador, para Venezuela, que me abra para Europa o que si tu estás en Ecuador que te escapes para yo no sé dónde. Eso es lo que buscan, y por supuesto que ponen en peligro la vida de muchas personas y múltiples de esas calificaciones atrevidas y sin sustento que hacen sobre esas personas, organizaciones, equipos de trabajo, pueden derivar en tragedias.

El presidente Uribe dice en una rueda de prensa que fulano, fulano y fulano, refiriéndose a tres periodistas, entre ellos yo, “son unos voceros de la insurgencia y unos publicistas del terrorismo”. En Colombia hay más de diez locos que interpretan como una orden para asesinarlo a uno. Entonces qué pasa ahí. Las opciones repito son dos: me escondo, paso a la clandestinidad y empiezo hacer cosas que yo no conozco y no sé hacer y las haré mal o amplio mi escenario de acción y sigo haciendo mi trabajo y lo hago con más empeño, me hago más visible y haciéndome más visible de alguna forma me protejo.

Y bueno, hay que apelar también a las organizaciones internacionales que velan por estos temas de derechos humanos, a las organizaciones de periodistas de todo el mundo, a los pronunciamientos de las personalidades internacionales. Eso de alguna manera limita la capacidad de agresión que tiene el establecimiento contra las personas que hemos decidido enfrentarlo.

Yo me sitúo del lado de los que consideran que ante esos ataques hay que crecer y censuro, aunque en muchos casos lo entiendo, lo acepto, pero me parece que no es el camino adecuado, el exilio, el desaparecer de la escena, callarse y asumir esa actitud.

5. Otra acusación vertida contra las FARC-EP es la de que ésta organización mantiene secuestrados a un sinnúmero de personas en campos de prisioneros en la selva, sonde se les maltrata, se les veja e incluso se les tortura. Tú que has tenido oportunidad de estar en esos lugares ¿puedes contarnos cuál es la realidad sobre las cárceles de las FARC-EP?

Ese tema de la supuesta crueldad en el tratamiento a los prisioneros de guerra, me parece que es otra gran construcción mediática.

Vamos a ver.

Evidentemente las imágenes del cautiverio, yo he grabado varias de ellas, es más creo que el ochenta por ciento de las imágenes que salen del cautiverio son mías, yo he estado allí, he estado varias veces, son imágenes bastante fuertes. Estamos hablando de personas que pasan su cautiverio en la profundidad de la selva, en condiciones atmosféricas difíciles, en condiciones de salubridad complicadas, con dificultades de alimentación muchas veces, en épocas de verano con dificultades de agua, lugares donde entra muy poco sol, están en la mitad de la manigua, repito, y, digamos que desde el punto de vista del impacto visual son muy fáciles de usar con el fin que tú quieras.

Yo me acuerdo, por ejemplo, cuando yo saqué unas imágenes en el canal Caracol, donde yo trabajaba, de los 500 soldados que te decía estuvieron prisioneros de la guerrilla. Cuando saqué esas imágenes saqué un documental y el canal me lo censuró, no lo dejó salir al aire, pero se quedó con mis imágenes. Yo denuncie la censura y me echaron. Pero los “hijuemadres” se quedaron con las imágenes y entonces empezaron a poner en mitad de pantalla campos de concentración nazis en la Alemania de la Segunda Guerra Mundial y en la otra parte de la pantalla las imágenes mías, haciendo un símil, una analogía entre los campos de concentración nazis y los lugares donde estuve. ¡Nada que ver! Era una utilización, una manipulación. Yo puse una demanda a Caracol por eso, porque entre otras cosas estaban poniendo en peligro mi vida como si yo hubiera ido a esos lugares para ese propósito.

Pero bien, voy hablarle un poquito de las condiciones del cautiverio. La figura esa me causa sentimientos encontrados. Yo entiendo que es la guerra, la confrontación y que son personas que caen en medio de la conflagración en ésta situación. Pero es una situación extrema que es muy fácil de manipular y de convertir en una mala imagen para la insurgencia.

Advierto que son las mismas condiciones en las que están los guerrilleros. Las personas que están en cautiverio desayunan, almuerzan y comen lo mismo que los guerrilleros. Son personas que reciben atención médica, yo he visto atención odontológica, he visto que desde el punto de vista de su rutina no reciben maltrato, no son objeto de ensañamiento por parte de sus captores y hasta he visto situaciones de familiaridad, de camaradería y de amistad, de alguna forma, entre unos y otros.

Ahora bien, se han presentado por supuesto, como se presenta en las cárceles del Estado, casos de intentos de fuga o casos de indisciplina o casos que ponen en riesgo la seguridad de los demás.

¿Cuál es la respuesta que se le da a un preso que se insurrecta en una cárcel cualquiera del mundo? Es el castigo y castigos tenebrosos. Calabozo, aislamiento, etc.

¿Qué le pasa a un preso en cualquier cárcel del mundo que intente fugarse? Pues la orden es impedir que se fugue y si se fuga, seguramente que correrá con graves consecuencias para su vida.

Lo mismo sucede allá, porque para la insurgencia se trata de prisioneros. Entonces si un grupo de prisioneros intenta fugarse, al otro día del intento fallido de fuga, amanece encadenado. Si un grupo de presos o un preso hacen cosas que ponen en peligro la seguridad de los demás y también de la insurgencia y de los guerrilleros que les cuidan pues reciben un castigo. Claro, eso, por supuesto, en el relato, en la utilización mediática que se hace del asunto resulta como algo supremamente cruel e inhumano.

Pero aparte de advertir que me resulta muy doloroso encontrar esas situaciones, creo que se ha magnificado ese tema con un ánimo, repito, de dar una apariencia de crueldad que estoy seguro yo, no existe en la insurgencia y si existe, existe como hechos aislados, como hechos que además son punibles por estatutos y reglamentos de ellos.

6. Para desprestigiar a las FARC-EP, la campaña propagandística del imperialismo y la oligarquía colombiana señala permanentemente que en las filas de ésta organización se maltrata a las mujeres. Tú tuviste oportunidad de conocer a Lucero, la “bellísima Lucero”, la compañera de Simón Trinidad. Cuéntanos algo sobre esa excepcional mujer.

(Jorge Enrique Botero se siente conmovido al escuchar el nombre de Lucero. Sus ojos se llenan de lágrimas)

Hombre, Dax, me haces sentir un largo escalofrío por mi cuerpo. Solamente escuchar el nombre de Lucero me causa una gran emoción íntima, interna.

Lucero es una típica representante de las jóvenes colombianas que llegan a la insurgencia por la vía de la política. Ella es una muchacha que en su época de estudiante se forma políticamente, ingresa a las filas de la Juventud Comunista, actúa en la legalidad y va viendo caer a su alrededor a todos sus compañeros de lucha que no están echando tiros, sino que están en la brega política legal.

Lucero proviene de una pequeña población de la Costa Atlántica colombiana. Ingresa a la Unión Patriótica y va viendo como todos sus dirigentes se van muriendo a tiros. Tiene la fortuna de encontrarse con un frente guerrillero comandado por Simón Trinidad y ante la eventualidad de morirse o abandonar la lucha, prefiere optar por otra manera de seguir atendiendo a sus ideales.

¿Maltrato? Jamás he observado, es muy posible, estamos hablando de hombres y mujeres que tienen sentimientos y a los hombres les dan celos y a las mujeres les dan celos. Es posible que haya habido episodios medio melodramáticos, incluso violentos entre parejas, así como actitudes machistas, sin lugar a duda.

Pero, por ejemplo, un episodio de violencia sexual contra una guerrillera es lo menos probable que yo me pueda imaginar en el mundo. Porque un episodio de violencia sexual contra una guerrillera es inevitablemente castigado con la pena máxima o si un guerrillero se sobrepasa o actúa de una manera agresiva contra mujeres de la población civil, también es objeto de fortísimos castigos.

No he visto una organización social o un grupo social donde en la práctica los roles femenino y masculino se hayan invertido totalmente a como sucede en la sociedad capitalista. Ahí los roles están totalmente equilibrados. La elaboración de los alimentos, el lavado de la ropa lo ejercen los hombres y ahí viceversa las mujeres no sólo cargan su fusil, sino que se disponen para las tareas más duras de abrir caminos, de abrir trincheras.

Desde el punto de vista práctico, de la rutina diaria de la guerrilla el concepto y la práctica del machismo no existe. Yo creo que algunos de los lugares donde más he visto evolucionada y realizada a la mujer es en el mundo insurgente.

Me río mucho de toda esa habladuría que hay sobre el maltrato a las mujeres y las mujeres objeto sexual y que las mujeres para poder ingresar tienen que pasar por los brazos de los comandantes. Eso me resulta novelado totalmente. Lo que se busca es desestimular el ingreso de las muchachas a la insurgencia y busca crear la sensación de que eso allá es un infierno machista, en el cual la mujer no es sino un objeto sexual para satisfacer los instintos de los demás. Pero yo creo que ellos se mueren de la risa allá y de la rabia también de oír esas versiones, porque el lugar donde mejor he visto yo a las mujeres es allá.

Gracias Jorge. Mi cariño, respeto y admiración para ti por tu convicción revolucionaria y tu consecuencia como profesional del periodismo, metido en el movimiento mismo de lo social y no sólo en los escenarios de las industrias mediáticas.

Gracias a ti.

Imagen: Colombia - FARC-EP, Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia - Ejército Popular

Afeganistão

Soldado dos EEUU capturado por talibães critica ocupação do Afeganistão

Internacional

Venezolana de Televisión
Sáb, 26 de dezembro de 2009 15:43


Soldado dos EEUU capturado por talibães critica ocupação do Afeganistão

O militar, identificado como Bowe Bergdahl, de 23 anos de idade, assegurou que o Afeganistão será o próximo Vietnã, numa gravação enviada pelos rebeldes a meios de imprensa locais / Disse que, à diferença dos prisioneiros dos EEUU, a ele não o desnudaram nem vexaram

Cabul / A insurgência no Afeganistão difundiu um vídeo que mostra um soldado estadunidense, identificado como Bowe Bergdahl, de 23 anos de idade, e capturado há seis meses, criticando a invasão de seu país contra a nação islâmica.

Bergdahl, que oferece detalhes de sua biografía, como a data e o lugar de nascimento, destacou que o povo norte-americano deve levantar-se para que cesse esse absurdo.

Precisou que chegou ao país centro-asiático em maio passado e foi enviado à província oriental de Paktika.

Após sua captura, tornou-se um prisioneiro de guerra e o trataram como a um ser humano, asseverou.

Em nenhum momento me tiraram a roupa nem me fotografaram nu, agregou.

Segundo afirmou, os Estados Unidos não estão combatendo um pequeno grupo terrorista desorganizado, mas um Exército organizado.

Insistiu em que os Estados Unidos intervieram no Vietnã, no Afeganistão e também atacaram o Iraque.

Por último, solicitou a retirada das tropas estadunidenses do país devastado pela guerra.

A difusão do vídeo foi qualificada de "horrível" pelo comando da Força Internacional de Assistência à Segurança (ISAF), sob a égide da OTAN, que assegurou que o militar estadunidense foi "forçado" a ler a declaração.

25 de dezembro de 2009
Fonte: http://www.vtv.gob.ve

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Capitalismo em crise

2009: Capitalismo em Crise
Escrito por Valéria Nader
27-Dez-2009

O ano de 2008 encerrou-se melancólico no Brasil e no mundo, com a explosão da crise econômica internacional. Em nosso país, que navegava há alguns anos na alta popularidade do operário-presidente, agraciado por uma conjuntura internacional que impulsionou uma evidente recuperação dos índices de crescimento econômico, parecia estar-se adentrando em uma conjuntura improvável, quase um pesadelo.

Previsões catastróficas ressoaram dos quatro cantos do mundo, vindas de especialistas de diferentes matizes políticos, e a voz geral dava a sentença de morte ao neoliberalismo, em função da necessidade de socorro público às instituições falidas. Passado o segundo trimestre de 2009, alguns países emergentes, especialmente o Brasil, começaram, no entanto, a dar sinais de retomada, encerrando o ano de modo efusivo, principalmente em face à elevação dos índices financeiros que pareciam ter virado pó no final de 2008.

Como se situar diante de uma crise explosiva e que agora, aparentemente, parece mesmo não ter passado em nosso país da ‘marolinha’ tão criticada por economistas que possuem visão crítica do atual sistema capitalista? Teremos todos nós estado realmente diante de uma mera marolinha?

A rapidez com que foi retomada a nova onda de otimismo e euforia não deixa margem para visões ingênuas, para não dizer precárias. Ela é indicativa não só de que não houve qualquer alteração no atual padrão de acumulação capitalista - cuja característica fundamental é a hegemonia absoluta do capital financeiro e de sua lógica de funcionamento -, mas também da natureza radical da instabilidade que governa esse atual padrão.

Em nosso país, a dependência externa, a tendência à reprimarização da economia e a precariedade da distribuição de renda são evidências profundas de que se mantêm intactas as chagas que acompanham nosso estilo de desenvolvimento.

Confira abaixo entrevista exclusiva com o economista Luiz Filgueiras, professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia – UFBA - e autor, entre outros, do livro História do Plano Real.

Correio da Cidadania: Encerramos 2008 e começamos 2009 sob o fogo cerrado da crise econômica internacional que estourou em setembro de 2008, e com a previsão de que o mundo e o Brasil passariam pela mais dramática crise desde 1929. Pensando no Brasil, parece estar se configurando um clima de otimismo, quase euforia, nesse final de 2009. Como estamos encerrando, realmente, 2009?

Luiz Filgueiras: O mundo, de fato, passou pela pior crise do capitalismo desde 1930. Especialmente os países desenvolvidos: desestruturação e colapso dos sistemas financeiros; queda da produção e do emprego; falências de grandes corporações, fusões e aquisições, com enorme centralização de capitais. No entanto, acredito que pelo menos três razões pesaram para que a crise não continuasse a se aprofundar, diferentemente de 1929:

1) A intervenção quase que imediata de todos os Estados, encampando e estatizando instituições falidas; promovendo a aquisição de umas por outras; injetando bilhões de dólares, euros e iens; além das tradicionais medidas de política monetária e fiscal, como a queda da taxa de juros, a expansão do crédito, a redução de impostos e o aumento dos gastos públicos. Nos anos 1930, a intervenção do Estado foi protelada, em razão da crença dogmática no livre mercado, o que dramatizou enormemente a crise. Agora, o credo do livre mercado e de sua eficiência também estava difundido, mas muito mais como ideologia e instrumento de dominação do capital sobre o trabalho; quando a crise começou, a demanda e até exigência do socorro estatal foi mediata.

O fantasma de 1929 rondou ameaçador e o capital não teve dúvidas, recolheu momentaneamente o discurso neoliberal e se protegeu sob as asas do Estado, o que explicitou, claramente, o papel do Estado como "Comitê Central da Burguesia". É sintomática a absoluta irrelevância do FMI e de suas proposições no enfrentamento da crise, explicitando também o seu papel político-ideológico de dominação sobre os países da periferia.

2) A presença da China, com uma enorme e dinâmica economia (a que mais cresce e já com o 3º PIB do mundo) integrada à acumulação capitalista mundial, mas ainda com forte controle estatal, contra-restou a difusão da crise a partir dos EUA, em especial mantendo-se ainda como forte demandante de matérias-primas dos países da periferia, impedindo o colapso do comércio internacional. O capitalismo "heterodoxo" chinês, apesar de sua forte relação comercial, produtiva e financeira com os EUA, não foi abalado fortemente; sua elevadíssima taxa de crescimento se reduziu um pouco momentaneamente, mas não levou o país à recessão. O mesmo ocorrendo com a Índia, nesse particular.

O Brasil foi fortemente beneficiado por essa circunstância, embora tenha ocorrido uma queda importante do seu comércio internacional, principalmente com os países desenvolvidos. Além disso, a pouca relação do sistema financeiro doméstico com o epicentro da crise - localizado no mercado imobiliário dos EUA e nas suas imbricações com o seu sistema financeiro - exigiu uma intervenção do Estado, para socorrê-lo, de menores proporções.

3) A praticamente ausência de reação por parte dos movimentos sociais e dos trabalhadores e, portanto, a inexistência de contestação à socialização dos prejuízos comandada pelos Estados, com o aumento gigantesco das dívidas públicas e o ajuste recaindo sobre os trabalhadores, na forma de desemprego e precarização do trabalho.

CC: Ainda que as estatísticas mensais do Brasil não tenham se recuperado relativamente aos meses correlatos de 2008, vários dados relativos à produção industrial, consumo das famílias, rendimentos e emprego formal têm mostrado uma recuperação em 2009, quando se tem em vista os meses imediatamente anteriores. Esses dados são então significativos no sentido de indicar que houve uma ação eficaz do Estado brasileiro contra a crise, e de que não houve o retrocesso previsto?
LF: A crise bateu duro no Brasil também; a bolsa de valores despencou, o crédito se retraiu e tivemos duas quedas trimestrais sucessivas do PIB, o que reduzirá o crescimento de 2009 para próximo de zero. Em seis meses foram destruídos quase todos os empregos gerados nos oito anos anteriores. E a realidade não foi pior por três razões:

A primeira é que o governo, apesar da conhecida e dogmática ortodoxia do Banco Central – que chegou a elevar a taxa de juros quando a crise internacional já estava explícita -, fez a intervenção que todos os países fizeram; políticas fiscais e monetárias contra-cíclicas, isto é, redução de impostos, manutenção dos gastos públicos, redução da taxa de juros e expansão do crédito; tudo isto apoiado nos bancos estatais. Além disso, o problema maior que se apresentou no sistema financeiro, isto é, os prejuízos de inúmeras empresas exportadoras com a especulação no mercado futuro de câmbio, teve no Estado um colchão amortecedor que propiciou ampla e imediata liquidez para os bancos e financiamento para fusões de empresas e instituições através do BNDES. Com essas políticas, a queda da atividade no mercado interno foi abrandada. Mas isso só foi possível em razão da duração relativamente curta dos momentos mais dramáticos da crise.

A segunda razão é que a situação superavitária das contas externas do país, com indicadores de vulnerabilidade externa conjuntural favoráveis – propiciados pelo crescimento da economia mundial entre 2003 e 2007 -, além da extrema gravidade da crise nos países centrais, implicou uma fuga de capitais do Brasil relativamente reduzida. Não houve crise cambial, como foi o caso de 1999 (com câmbio fixo) e de 2002 (com câmbio flutuante); apesar da desvalorização do real ter sido grande e ter incomodado. Por isso, as reservas cambiais foram afetadas marginalmente. Por outro lado, a própria desvalorização do câmbio ajudou a ajustar as contas externas que, ao contrário do que se imaginava, reduziram o déficit da conta corrente – as importações se reduziram mais que as exportações e as remessas de lucros e dividendos, bem como os gastos com viagens, caíram.

O terceiro motivo é que a rápida duração da crise, em particular de seu momento mais crítico, permitiu a recuperação do mercado interno depois de dois trimestres de recessão, pois a retomada das atividades não se fez sem a contrapartida do crescimento das exportações e o retorno dos capitais estrangeiros – condição para que a recuperação não se chocasse com o estrangulamento externo. De qualquer forma, ficou evidente que a economia brasileira não estava "blindada" contra a crise; os indicadores favoráveis de vulnerabilidade externa, inclusive as reservas de 200 bilhões de dólares, ajudaram, mas o fundamental, para a retomada já a partir do segundo trimestre de 2009, foi a falta de alternativas de aplicação financeira fora do país, a manutenção da atividade econômica da China e a duração relativamente curta da crise.

CC: No que se refere à recuperação do mercado financeiro, especialmente a forte retomada do índice Bovespa, o que pensa? Estaríamos diante de uma nova bolha no Brasil?

LF: Os mercados financeiros, inclusive o do Brasil, foram os primeiros a serem afetados pela crise; a crise eclodiu no mercado financeiro dos EUA que entrou em colapso, se difundiu para os mercados financeiros de outros países e adentrou as atividades produtivas. Na saída da crise, a tendência é o mercado financeiro antecipar-se às inflexões que ocorrem mais lentamente na esfera produtiva. No entanto, o retorno da especulação nas bolsas de valores e nos mercados futuros indica que o modus operandi do sistema continua o mesmo, porque não houve qualquer alteração estrutural e institucional do atual padrão de acumulação capitalista. E isto não se resume apenas à necessidade de uma maior regulação do capital financeiro, como enfatizam alguns economistas bastante conhecidos, como Paul Krugman e Nouriel Roubini. Mas que têm razão no que se refere à existência de um processo de formação de uma nova "bolha", agora puxada pelos "países emergentes".

Esse movimento também indica que, nas bolsas de valores, de todo o mundo, se assiste à luta desesperada de parte da riqueza financeira acumulada na forma de ações - que foi desvalorizada, mas não destruída -, de recuperar os seus níveis anteriores à crise. Esse desespero, que tem por base a recusa em admitir as perdas, alimenta uma nova onda de otimismo e euforia, que se auto-alimenta e evidencia, em virtude da rapidez com que foi retomado o processo, a natureza radical da instabilidade que governa o atual padrão de desenvolvimento capitalista.

CC: Qual a sua opinião quanto ao estado em que se encontram as economias da América Latina, passado o período mais crítico da crise mundial?

LF: As economias da América Latina foram afetadas de modo desigual pela crise. Aquelas mais dependentes das exportações de apenas um ou poucos produtos, direcionados principalmente para os países desenvolvidos, sofreram mais, com grandes quedas do PIB, como foram os casos do México, da Venezuela e do Chile. Todos os países latino-americanos, inclusive o Brasil, do ponto de vista estrutural, saem da crise da mesma forma como entraram, isto é, sem grandes transformações de suas respectivas bases produtivas e inserções internacionais.

O Brasil, em particular, evidencia isso, quando se compara a situação presente com a crise de 1929. Nesta última, dado o menor grau de mundialização do capital, o colapso do comércio internacional e a crise de sua economia primário-exportadora que já estava em andamento mesmo antes da crise, o país caminhou para a industrialização, tendo o Estado um papel fundamental. Agora, o país volta a ocupar o mesmo papel na divisão internacional do capital, a partir de uma mesma base produtiva; as descobertas e exploração do pré-sal, ao contrário do que muitos pensam, reafirmam a posição de país exportador de commodities e produtos de baixo conteúdo tecnológico. Podendo inclusive aprofundar a sua especialização produtiva nessa direção – caso não haja uma política industrial, tecnológica e de comércio exterior deliberada por parte do Estado no sentido de diversificar a sua base produtiva para a fabricação de produtos de alto conteúdo tecnológico.

E, nesse contexto, a política cambial passará a ser, mais do que nunca, decisiva, no sentido de impedir a tendência já explícita de valorização do real, que dificulta e impede o desenvolvimento de ramos industriais mais sofisticados dentro do país.

CC: Quanto às economias desenvolvidas, especialmente os EUA, como acha que atravessaram a tormenta? Há indícios de retomada? Elas sofreram realmente maior impacto da crise do que economias emergentes, como o Brasil?

LF: Não há dúvida de que as economias centrais sofreram muito mais com a crise. No momento, a sua fase mais crítica já foi ultrapassada, mas o rastro deixado foi impressionante. Em particular no que se refere à queda da atividade econômica, à elevação das taxas de desemprego, à maior precarização do trabalho, às falências de empresas e instituições financeiras e, sobretudo, à grande elevação das dívidas públicas.

Esta foi a maior crise da era recente de mundialização do capital, que já tivera inúmeras outras crises mais localizadas: desde o ataque à libra esterlina no final dos anos 1980; passando pela crise financeira do Japão, que levou à estagnação de sua economia nos anos 1990, e a bolha especulativa das empresas ponto.com, negociadas na bolsa de valores Nasdaq; até as crises do México, da Ásia, da Rússia, do Brasil e da Argentina. A diferença fundamental da atual é que ela se originou nos países centrais do capitalismo, todos conectados através dos mercados financeiros, o que arrastou todos os países do mundo.

CC: Quanto à economia chinesa, hoje a maior aplicadora nos títulos da dívida americana, apresentou também neste final de ano números indicativos de uma retomada econômica. Trata-se de uma retomada vigorosa, de forma a que possa até eventualmente tornar-se um pólo hegemônico mundial?

LF: A China já é, sem dúvida, um dos pólos fundamentais da economia mundial. Eu acredito que já estamos ultrapassando a "Era da hegemonia mundial solitária dos EUA", que ficou evidente a partir da derrocada do chamado "Socialismo Real". A atual crise expressou isso; ela só não foi pior em virtude da força da economia chinesa, que conseguiu manter ainda um elevado ritmo de crescimento e, por conseqüência, abrandar a crise na periferia do capitalismo.

E a sua imbricação produtiva, comercial e financeira com a economia dos EUA é cada vez maior, cuja unidade contraditória deverá ditar, cada vez mais, os rumos do capitalismo e da humanidade. O recente fracasso da Conferência de Copenhague é paradigmático do novo período histórico, político e econômico do capitalismo: quem decidiu "não decidir nada" e protelar quaisquer medidas mais efetivas para combater o efeito estufa foram os EUA e a China – os maiores poluidores do planeta. O primeiro querendo preservar o seu padrão de consumo insustentável e a segunda querendo manter suas elevadas taxas de crescimento

CC: Muito se destacou acerca da necessidade de uma nova regulamentação do sistema financeiro mundial. Avançou-se algo nesse sentido?

LF: Até agora, nada foi feito nesse sentido, ou seja, não houve qualquer alteração no atual padrão de acumulação capitalista, cuja característica fundamental é a hegemonia absoluta do capital financeiro e de sua lógica de funcionamento – que penetrou em todas as instâncias e atividades econômicas, inclusive no âmbito do consumo das famílias de maior renda.

Portanto, a extrema instabilidade e a volatilidade das relações econômico-sociais são características estruturais dessa forma de capitalismo, que radicalizou todas as suas principais e mais essenciais tendências, em especial a concentração e centralização de capitais e da riqueza, o descolamento da esfera financeira da esfera produtiva e a permanente ameaça de crise.

Na verdade, até agora, o capital está caminhando pela linha de menor resistência e tenta superar a crise mantendo, no fundamental, o atual padrão de acumulação. E a razão fundamental dessa escolha se deve, além da óbvia hegemonia do capital financeiro, à ausência de um forte movimento socialista internacional da classe trabalhadora.

CC: Fala-se muito sobre as formas que pode assumir a recuperação, em V, em W, em U. Como acha que vai seguir de agora em diante a economia brasileira, em particular, e também a economia mundial?

LF: Acredito que essas distintas formas, eventuais, de recuperação da economia mundial não dão conta da natureza mais imanente do atual padrão de acumulação capitalista. E também não expressam o cerne do problema, que a meu ver vem se anunciando há mais tempo, qual seja: o capitalismo, a partir dos anos 1970, entrou numa fase de baixo crescimento econômico de longo prazo, uma espécie de semi-estagnação, que inclui alguns curtos momentos de acelerado crescimento, alternados por crises financeiras de maior ou menor monta.

A nova fronteira da acumulação na China atenua essa tendência, mas não a elimina e apenas a modera e a joga para frente no tempo. A própria discussão em torno dessas formas de saída da crise expressa uma visão de curto prazo, que caracteriza o movimento do capital no atual padrão de acumulação e que influencia nas próprias questões a serem formuladas e na identificação dos problemas considerados relevantes. Em outras palavras, os economistas e insiders do sistema são pautados também pela lógica do capital financeiro.

CC: A crise, na medida em que pôs em xeque as políticas neoliberais, trouxe à tona várias discussões acerca das políticas de caráter keynesiano, com reforço da regulação e dos gastos públicos como forma de reordenar a economia mundial. Vários estudiosos são, no entanto, pessimistas quanto a soluções "nacionais" para a crise global nos marcos do atual sistema capitalista mundial, em face da complexa teia de relações comerciais e produtivas que unifica esse sistema, com controle absoluto do Estado pelos grandes conglomerados internacionais. O que pensa disto?

LF: Na verdade, estamos presenciando a superação conjuntural da crise, com a recuperação da demanda efetiva, a partir de um enorme endividamento dos Estados. Porém, a socialização dos prejuízos e a adoção de políticas monetárias e fiscais expansionistas, como as que vêm sendo utilizadas, são condições necessárias, mas não suficientes.

Embora, num primeiro momento, elas tenham reduzido os estragos da crise e reativado a demanda efetiva, não alteram, no fundamental, as características básicas do padrão de acumulação – que o tornam radicalmente instável e que levaram à atual crise. Por isso, a tendência é de que as flutuações econômicas se tornem mais intensas, com a reiteração de crises periódicas em intervalos mais curtos - intercaladas por surtos efêmeros de crescimento e tendência à estagnação prolongada. De fato, no plano mundial, a superação da crise, pelo capital, demanda mudanças estruturais no padrão de acumulação.

Além disso, o enorme endividamento dos Estados dos países desenvolvidos, decorrente dessas políticas, terá fortes e duradouras repercussões no ritmo de acumulação e desenvolvimento capitalista. Particularmente importantes serão os seus efeitos sobre a capacidade do dólar de continuar mantendo o seu papel de moeda-reserva internacional. Ademais, a relação China-EUA, aparentemente "virtuosa" e complementar, até a eclosão da crise, tenderá a ser questionada, cada vez mais, pela disputa de mercados e fontes de recursos naturais – condição fundamental para a manutenção/superação da hegemonia dos EUA. O mesmo se pode dizer de uma maior regulação dos mercados e dos fluxos financeiros; ela tem limites claros: além das dificuldades praticamente intransponíveis de "enjaular" o capital financeiro, não poderá retroceder a mundialização das finanças nem a internacionalização já alcançada palas forças produtivas.

Por outro lado, a nova fronteira de expansão da acumulação – sobretudo a China e a Índia – não permite que a super-exploração e a precarização do trabalho, em escala global, sejam revertidas por iniciativa do próprio capital – permitindo a redistribuição dos ganhos de produtividade. A essas dificuldades adiciona-se a impossibilidade de globalização do padrão de consumo dos países desenvolvidos, em especial dos EUA. A expansão da acumulação, com base nesse padrão, se defronta, cada vez mais, com poderosos limites externos ao capital: o rápido esgotamento dos recursos naturais e a deterioração, incrivelmente acelerada, do meio-ambiente.

Por fim, o capital financeiro não abrirá mão, voluntariamente, da apropriação direta do Estado, que lhe permite conduzir seus interesses à margem do controle das instituições clássicas da democracia liberal: partidos políticos e parlamentos. Por isso, nunca é demais reafirmar que a razão fundamental para que o capital encaminhe a solução da crise pela linha de menor resistência se deve, sobretudo, à ausência de um forte movimento socialista internacional da classe trabalhadora e, portanto, à inexistência de um projeto político alternativo socialmente amparado.

CC: O que seria, nesse sentido, a seu ver, um efetivo enfrentamento da crise em nosso país? Há condições políticas, e sociais, para este enfrentamento?

LF: Como já afirmei anteriormente, o país saiu da crise em razão de circunstâncias externas e da adoção de políticas anti-cíclicas – única alternativa disponível. No entanto, sai da crise, do ponto de vista estrutural, da mesma forma como entrou. O modelo de desenvolvimento continua o mesmo e sujeito às mesmas vulnerabilidades. Por outro lado, não há evidentemente uma saída exclusivamente nacional, pelo alcance já tomado pela mundialização do capital e a natureza profundamente internacionalizada da economia brasileira.

Mas, dentro dessas condições, não há um único caminho. A trajetória futura pode manter e até fragilizar a economia brasileira frente aos ciclos da economia mundial ou, alternativamente, pode reduzir suas fragilidades, a depender das escolhas que forem vitoriosas politicamente – o que inclui a questão do pré-sal, bem como a natureza das políticas industriais, tecnológicas e comerciais do Estado.

De qualquer forma, a implementação do projeto desenvolvimentista a partir do Estado, e por ele guiado, já não tem condições históricas de ser ressuscitado. O nível de integração e dependência da burguesia brasileira inviabiliza-o por definição sob a prevalência do capitalismo. E principalmente em sua fase imperialista, a dependência é uma característica estrutural da economia e da sociedade brasileira, assim como dos demais países periféricos.

Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Chomsky

O legado de 1989 na América Latina
Por Noam Chomsky [Segunda-Feira, 28 de Dezembro de 2009 às 12:58hs]

Novembro marcou o aniversário de grandes eventos em 1989: "o maior ano da história do mundo desde 1945", como o historiador britânico Timothy Garton Ash o descreve.

Naquele ano, "tudo mudou", escreve Garton Ash. As reformas de Mikhail Gorbachev na Rússia e a sua "impressionante renúncia do uso da força" levaram à queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro – e à libertação da Europa Oriental da tirania russa.

Os elogios são merecidos, os eventos, memoráveis. Mas perspectivas alternativas podem ser reveladoras.

A chanceler alemã, Angela Merkel, forneceu – sem querer – uma tal perspectiva, quando apelou a todos nós para "usar este dom inestimável da liberdade para ultrapassar os muros do nosso tempo".

Uma forma de seguir o seu bom conselho seria desmantelar o muro maciço, superando o muro de Berlim em escala e comprimento, que serpenteia atualmente através do território da Palestina, em violação do direito internacional.

O “muro de anexação”, como deveria ser chamado, é justificado em termos de “segurança” – a racionalização por defeito para muitas das ações do Estado. Se a segurança fosse a preocupação, o muro teria sido construído ao longo da fronteira e tornado inexpugnável.

O propósito desta monstruosidade, construído com o apoio dos EUA e a cumplicidade europeia, é permitir que Israel se aposse de valiosa terra palestina e dos principais recursos hídricos da região, negando assim qualquer existência nacional viável à população autóctone da antiga Palestina.

Outra perspectiva sobre 1989 vem de Thomas Carothers, um acadêmico que trabalhou em programas de “reforço da democracia” na administração do antigo presidente Ronald Reagan.

Depois de rever o registo, Carothers concluiu que todos os líderes dos EUA foram "esquizofrênicos" – apoiando a democracia quando se conforma aos objetivos estratégicos e econômicos dos EUA, como nos satélites soviéticos, mas não nos estados clientes dos EUA.

Esta perspectiva é dramaticamente confirmada pela recente comemoração dos acontecimentos de novembro de 1989. A queda do muro de Berlim foi comemorada com razão, mas houve pouca atenção ao que aconteceu uma semana mais tarde: em 16 de novembro, em El Salvador, o assassinato de seis importantes intelectuais latino-americanos, padres jesuítas, juntamente com a sua cozinheira e sua filha, pelo batalhão de elite Atlacatl, armado pelos EUA, fresco do treino renovado na Escola de Guerra Especial JFK, em Fort Bragg, Carolina do Norte.

O batalhão e seus esbirros já tinha compilado um registro sangrento ao longo da terrível década que começou em 1980 em El Salvador com o assassinato, praticamente às mesmas mãos, de Dom Oscar Romero, conhecido como “a voz dos sem voz”.

Durante a década da “guerra contra o terrorismo” declarada pelo governo Reagan, o horror foi semelhante em toda a América Central. O reinado de tortura, assassinato e destruição na região deixou centenas de milhares de mortos.

O contraste entre a libertação dos satélites da União Soviética e o esmagamento da esperança nos estados clientes dos EUA é impressionante e instrutivo – ainda mais quando ampliamos a perspectiva.

O assassinato dos intelectuais jesuítas trouxe praticamente o fim à “teologia da libertação”, o renascimento do cristianismo que tinha as suas raízes modernas nas iniciativas do Papa João XXIII e do Vaticano II, que ele inaugurou em 1962.

O Vaticano II "deu início a uma nova era na história da Igreja Católica", escreveu o teólogo Hans Kung. Os bispos latino-americanos adotaram a "opção preferencial pelos pobres".

Assim, os bispos renovaram o pacifismo radical do Evangelho que tinha sido posto de lado quando o imperador Constantino estabeleceu o cristianismo como a religião do Império Romano – "uma revolução" que, em menos de um século, transformou "a igreja perseguida" numa "Igreja perseguidora", de acordo com Kung.

No renascimento pós-Vaticano II, os sacerdotes latino-americanos, freiras e leigos levaram a mensagem do Evangelho aos pobres e perseguidos, reuniram-nos em comunidades, e encorajaram-nos a tomar o destino nas suas próprias mãos.

A reação a essa heresia foi a repressão violenta. No decurso do terror e do massacre, os praticantes da Teologia da Libertação foram o alvo principal.

Entre eles estão os seis mártires da Igreja, cuja execução há 20 anos é agora comemorada com um silêncio retumbante, praticamente não quebrado.

No mês passado, em Berlim, os três presidentes mais envolvidos na queda do Muro – George H. W. Bush, Mikhail Gorbachev e Helmut Kohl – discutiram quem merece crédito.

"Eu sei agora como o céu nos ajudou", disse Kohl. George H. W. Bush elogiou o povo da Alemanha Oriental, que "por muito tempo foi privado dos seus direitos dados por Deus". Gorbachev sugeriu que os Estados Unidos precisam da sua própria perestroika.

Não existem dúvidas sobre a responsabilidade pela demolição da tentativa de reavivar a igreja do Evangelho na América Latina durante a década de 1980.

A Escola das Américas (desde então renomeada Instituto do Hemisfério Ocidental para Cooperação de Segurança) em Fort Benning, na Geórgia, que treina oficiais latino-americanos, anuncia orgulhosamente que o Exército dos EUA ajudou a "derrotar a teologia da libertação" – assistida, com certeza, pelo Vaticano, utilizando a mão suave da expulsão e da supressão.

A sinistra campanha para reverter a heresia posta em movimento pelo Concílio Vaticano II recebeu uma incomparável expressão literária na parábola do Grande Inquisidor em Os Irmãos Karamazov de Dostoievski.

Nessa história, situada em Sevilha no "momento mais terrível da Inquisição", Jesus Cristo aparece subitamente nas ruas, "de mansinho, sem ser observado, e contudo, por estranho que pareça, toda a gente o reconheceu" e foi "irresistivelmente atraída para ele".

O Grande Inquisidor "ordena aos guardas prendam-No e levem-No" para a prisão. Lá, ele acusa Cristo de vir "prejudicar-nos" na grande obra de destruir as ideias subversivas de liberdade e comunidade. Nós não Te seguimos, o Inquisidor admoesta Jesus, mas sim a Roma e à "espada de César". Procuramos ser os únicos governantes da Terra para que possamos ensinar à "fraca e vil" multidão que "só será livre quando renunciar à sua liberdade para nós e se submeter a nós". Então, eles serão tímidos e assustados e felizes. Assim, amanhã, diz o inquisidor: "Devo queimar-Te".

Por fim, no entanto, o Inquisidor abranda e liberta-O "nos becos escuros da cidade".

Os alunos da Escola das Américas não praticaram tal misericórdia.

Fonte: In These Times, publicado em Infoalternativa.org.
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Noam Chomsky

domingo, 27 de dezembro de 2009

Sexo - II

Esquizo versus trans?
Não escolhemos um projeto, não precisamos. Podemos jogar na coluna do meio: a de quem não terminou de atravessar a rua, de quem está em transição — a matéria-prima, tia e sobrinhos de toda política. Queremos abrir uma picada para quem queira fugir dos fascismos do momento
Fabiane Borges, Hilan Bensusan
(10/04/2008)
Vesículas, assembléias, clavículas, autoridades, cutículas, ancas, palanques, clitóris, lucidez. Essa justaposição desorienta. Parece que a política fica umbigocêntrica, que o corpo fica ralo de materialidade. Será que são as amareladas idéias de que corpos são pré-políticos que nos deixam com essa impressão? De todo modo, políticas esquizotrans não são políticas de corpos prontos – nem de políticas prontas. Nossos corpos e nossas políticas são feitas de justaposições; e de interdições de justaposições. A biopolítica da intersexualidade – que corpos com genitália que não é claramente masculina ou feminina podem continuar vivos sem órgãos definidos –, por exemplo, não é apenas a disputa pela inteligibilidade dos corpos; é também a batalha pela autonomia de justapor. Encontrar política no corpo é pensá-lo como um sintoma dos desejos (das partículas de subjetividade), como uma vitrine dos produtos dos dispositivos de fazer certos tipos de gente (fazendo coisas como matrizes de inteligibilidade), como um terreno em disputa da evolução natural e artificial das espécies (que deixa pistas pelo genoma). Justapor corpo e política é contaminar o corpo de política – ele vira um palanque – e embrenhar a política das potências (e dos limites de velocidade) dos corpos. O corpo disciplinado, o corpo doente, o corpo mutilado, o corpo em êxtase são palanques porque são plataformas a partir das quais os desejos fazem campanha (não fazem campanha eleitoral, fazem campanha infecciosa). Também assim o corpo sexuado, inserido em uma bipolaridade, embrenhado das normas de gênero ou constituído pelas artimanhas inatas e adquiridas da diferença sexual.
— Doutor, quantas vezes uma pessoa pode mudar de sexo?
— Olhe, eu não sou a pessoa mais adequada para responder a sua pergunta, porque há mais de 22 anos eu venho me recusando a participar de qualquer procedimento de normalização sexual de recém-nascidos. Eu simplesmente deixo a genitália como ela nasceu. Outro dia encontrei uma menina de 15 anos com sua mãe na praia. A mãe me reconheceu: eu era o chefe da equipe no hospital em que ela fez o parto. Eu olhei para a menina, que vestia um bikini azul, e não pude parar de pensar no que havia dentro da parte debaixo daquele biquíni.
— O que havia?
— Tudo.
Judith Butler [1], em um livro que marcou uma época há 18 anos, exalou uma certa fragrância de política pós-corporal. Nas entrelinhas de Butler de Gender Troubles (1990), ela apresentava a inteligibilidade dos corpos em termos de sua capacidade para alguma performance e, assim, podia ser que os corpos tivessem deixado de importar. Ou seja, podia ser que o gênero, com todo o seu ímpeto normativo, tornasse irrelevante os contornos (materiais, demasiado materiais) dos corpos. Butler recentemente confessou que sempre que tenta falar do corpo, acaba tratando da linguagem (Undoing Gender, 2004, p. 198). Ela torce o foco da materialidade do sexo para a sexualidade da matéria, Há manivelas o suficiente em sua engrenagem para mover esse guindaste. Porém fica a fragrância: não seriam estes corpos irreverentemente descolados dos órgãos genitais – irrelevantes? Pensemos agora no esquizo: fugido da organicidade do corpo, solto dos órgãos, preso apenas a um corpo sem inteligibilidade. E eis o contraste.
— Para que você quer fazer uma operação de mudança de sexo? O sexo não importa mais, seja um sujeito lesbiano (ou invente sua performance sexual a cada dia, ou trate seu corpo como se ele não tivesse órgãos).
— Ah?
Consideramos a coragem política de quem quer pular a cerquinha da identidade pré-fabricada que lhe foi atribuída. Quem é trans percorre o impensado, o abjeto da heterossexualidade compulsória
Trans versus esquizo. A política sexual dos cyborgs da diferença sexual de um lado e a política sexual dos corpos múltiplos, rarefeitos, quase epifenomênicos. Em Em busca do que é trans, falamos dos problemas em tratar com um doutor Grinder que recusa a colocar seu bisturi a serviço de uma trans-inter. Ele talvez estivesse a serviço da ordem estabelecida de gênero. Mas a paciente: ela trans, ela esquizo. Para ser nada, às vezes precisamos ser tudo – era uma de suas maneiras de criar para si um corpo sem órgãos: criar para si um corpo com órgãos demais. Porém, nossa personagem não é apenas uma ficção trans de uma esquizo ou uma divagação esquizo acerca do desejo trans?
Parece uma tensão familiar: o projeto político dos corpos sem sexo (a matéria liquidificada em política) e o desejo de ter um corpo com outro sexo. [2] Nos movemos por essa tensão muito freqüentemente, e aqui as nuances dão o tom das escolhas. E consideramos a coragem política de quem quer pular a cerquinha da identidade pré-fabricada que lhe foi atribuída. Quem é trans percorre o impensado, o abjeto da heterossexualidade compulsória. Ninguém nasce mulher (ou homem), torna-se, mas em um percurso assim atravessa-se o inaudito do fascismo: o trânsito, os subterrâneos da ordem. Andréa Stefani, colunista da Tribuna do Brasil, por exemplo, conta que o mero exercício de um cross-dressing eventual, já faz atravessar pelo menos a epiderme de alguns mecanismos dos desejos. Ocupando o espaço que as transsexuais percorrem (ou inspiradas pelas horas em que Flávio de Carvalho caminhou pelas ruas de São Paulo de saia e meia-calça) surgem pessoas transgênero, trans, travestidas, espécies de Orlans da genitália que querem transitar, fazer um ninho no meio do trânsito, querendo tudo ou quase tudo.
— Ah? É isso que eu quero. Teu projeto político vai determinar o que eu posso e o que eu não posso querer? Graças a mim outras pessoas podem querer levar isso mais a fundo e desmaterializar-se exatamente na velocidade da minha trans–formação? Experimentar algumas mudanças de função dos órgãos? Experimentar ter um pinto e uma cona cunhado no coração? Eu, por enquanto, quero apenas transitar: atravessar a rua e ficar do outro lado.
A tensão esquizo X trans também é reminiscente do contraste entre dois tipos de projetos feministas já clássicos e que ainda marcam as interações em torno da querela da diferença sexual. O esforço para desencavar uma escritura feminina era um esforço por pensar de uma maneira própria das mulheres. A tradição em torno da écriture féminine tenta afirmar a diferença sexual: é preciso que a mulher deixe ser tomada como a outra do homem, ela é antes aquilo para o que não há espaço em um regime falocêntrico. Luce Irigaray [3] propôs uma heterossexualidade radical; onde o hetero é radical, a diferença sexual não é pensada desde nenhum dos lados, mas como uma diferença. A diferença sexual não é uma oposição sexual, mas uma alteridade – o projeto político de encontrar as mulheres sob os escombros do papel de outras dos homens. Uma vez afirmada a diferença sexual – não composta de pares opostos, mas ainda de pares – uma pessoa pode ir de um pólo a outro, talvez mesmo ficar no meio entre esses pólos. Os pólos não são nem um sucursal do outro e nem um satélite na órbita de outro: apenas diferença sem hierarquia.
Wittig propõe que sejamos todas (e todos) lesbianas: que transformemos nossa erótica de modo que ela não seja mais de binariedade. Trata-se do lado esquizo na nossa tensão:
O contraste é com um projeto como aquele que foi proposto por Monique Wittig (que, para nossos propósitos está próximo do projeto de Butler). Wittig propõe que sejamos todas (e todos) lesbianas: que transformemos nossa erótica de modo que ela não seja mais uma erótica da binariedade. Trata-se do lado esquizo na nossa tensão: ao invés de cuidar dos órgãos, pense seu corpo como independente deles. Seja lésbica com a trosoba, faça ela entrar em um devir antifálico, em um processo de clitorização.
Não escolhemos um projeto, não temos que escolher. Podemos jogar na coluna do meio: a coluna do meio é a coluna de quem não terminou de atravessar a rua, de quem está em transição — a matéria-prima, tia e sobrinhos de toda política. Queremos abrir uma picada para que quem queira possa fugir dos fascismos do momento. Todas as partes de qualquer todo tem algum direito de escapar. Políticas esquizotrans são políticas das exceções.
A menina do biquíni azul nasceu com tudo, a operação não aconteceu porque a médica se encantou com o pênis por vir, que segurou com suas mãos e, vendo naquelas carnes minúsculas uma pica grossa como a do enfermeiro que trabalhava ao lado e dormia com ela no meio da semana, decidiu deixar a menina como estava. Nada, ninguém iria colocar em questão a sua reputação — deixa a pica lá, chamemos a menina uma menina. E ela cresceu, o biquíni azul flutuando com suas costas no rio que leva ao mar. Quando uma onda faz a parte de baixo do biquíni descer um pouco de seu caimento, ela é acometida de vários raios do céu no cu e eles diziam que sua perna direita transformara-se num mensageiro desengonçado cuja missão era cortar o mundo com voz afiada; o começo da política é o corpo. Se o corpo não puder ser discutido não haverá crescimento que não seja por cima das exceções, elas continuaram como saci do mato rodopiando o imaginário de uma política sem imaginação no senado. Que tipo de crescimento econômico me garantem os homenzinhos engravatados nos seus falismos de fala e de façanhas ministeriais? Com seu mundo não compactuamos com sede, ele não é devidamente esquizotrans. Esquizotrans é a categoria de quem transita – de quem quer outra coisa.
A menina de biquíni de bolinha se chamava Alex e mijava de pé segurando o próprio pinto. O diálogo mais bonito do filme XXY foi conversa entre a hermafrodita e o menino que acabara de ser enfiado pela hermafrodita. Ele pergunta: qual dos dois você é? Ela: os dois. Ele: isso não pode ser. Ela: é você que me diz o que posso ser. Silêncio. Ele: você gosta de homens ou de mulheres. Ela responde: eu não sei, e você (sic) ? É que os desejos são emaranhados no que colocamos para jogo. A esquizerda não prende a respiração diante do abjeto, ela respira e por isso inspira e logo conspira. Coube aos fascismos a erotização de mão única dos discursos políticos — o falocentrismo virou logocentrismo e a exceção sem cabimento. A esquizerda veio para politizar as eróticas, as mais miudinhas e as mais escandalosas.

Sexo

Em busca do que é trans
Esta coluna quer percorrer o poder subversivo do desejo de irromper as ruas com o corpo errado, com a roupa errada, com o gesto errado, com a velocidade errada. Ali há desejos de romper amarras, de balançar os fascismos estabelecidos, há desejo mais forte do que a disciplina e o controle
Fabiane Borges, Hilan Bensusan
(29/02/2008)
Eu expliquei para o doutor Grinder, com a voz que eu uso para explicar como fazer para que o mingau de maizena não fique embolotado:
— Meu distúrbio de identidade de gênero? É que eu não consigo ser nem só homem e nem só mulher, qualquer um parece pouco. Não parece razão suficiente para uma dysphoria?
Para alguém que sempre quis ser uma super-heroína, ser a femme fatale, ou ser o amante de todas as femmes fatales, ou de todas as velhas que ainda ardem de vontade, e os estranhos de sexualidade duvidosa, e também estar com os homens indiscriminados — eu queria ser tudo isso, tudo. Parecia que para alguém como eu, que sempre quis ser poderosa e preparado, era evidente que qualquer das duas opções sexuais postas no mercado era pouco, pouco demais. Assim como eu levantava alterado todos os dias e passava duas horas tentando fazer meu tornozelo se acostumar com as sapatilhas de ponta, eu queria minha genitália com tudo o que eu decidira na tora que eu tenho direito — e mais peitos e tira peitos e pierce nos peitos e nos glúteos – e o doutor Grinder era quem botava barreiras entre meu desejo de ter o corpo que eu precisava para viver a minha vida e a cirurgia:
— Bi, ele falou, você já experimentou ser uma pessoa bissexual?
— Uma mulher bissexual? Uma mulher bissexual é uma mulher, não é?
Eu nasci com os trejeitos de heroína incontida, anatomia é destino e no meu destino quem manda, bem, sou eu mesma e não tem pra ninguém. Eu e o bisturi do doutor Grinder; eu disse: não é sobre o que eu faço, é sobre o que eu sou e eu não tenho medo do perigo e nem da angústia de ultra-ser um corpo envaginado, de sobre-ser um corpo com tromba, quero me enfiar e ser enfiado. Quero poder ser bicha, poder ser toda lésbica e passar noites lambendo e esfregando tratando meu pinto ereto como se fosse um clitóris e com meus dois sexos passar anos no celibato se eu quizer e sem espelhos. Quero uma genitália com direito a tudo e esta volúpia merece encontrar a faca.
— Você não acha que está querendo demais?
Agora ele ficava fominha, meu desejo é muito pra faca dele? Meu desejo ele não dá conta, o bisturi dele broxa com tanto tesão de "dar" uma "enfiada"!! O que fazer? Procurar um mago polonês cavalgando pelo Atacama com os trechos mais judaicos da bíblia no dorso e uma matula com tâmaras secas e um bisturi de condão?
O mercado suga a força dos desejos. O poder subversivo do desejo trans é o poder de escapar da ordem estabelecida e invoca a força daquilo que rompe. Política, política, política
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Riki Wilchins (em Birth of the Homosexual, em Read My Lips) imagina uma pessoa de nariz grande querendo uma cirurgia para diminuir o nariz. O médico pergunta por que: eu sempre me senti uma pessoa de nariz pequeno aprisionada no corpo de uma pessoa de nariz grande. O médico não pode fazer a cirurgia enquanto não tiver um diagnóstico de um psiquiatra que ateste que aquela é, apesar das aparências, uma pessoa de nariz grande. A política dos corpos é a política da viabilidade da vida – da aceitabilidade de certas formas de vida. Muitas vezes a política dos corpos é pensada em termos de identidades: corpos implicam identidades, genitálias implicam identidades sexuais (melanina implica identidades raciais etc.). As identidades permitem um reticulado de nós contra eles. Promovem a política das torcidas, a política das filiações: agir em nome de um grupo que é demarcado mais ou menos antes de qualquer política. Identidades são uma forma de política entre muitas: uma forma de biopolítica, uma forma de manejo de corpos, uma forma de controle de sexualidades.
Esta coluna gira em torno de políticas da sexualidade e da sexualidade das políticas. Aqui surgem discussões sobre intersexo e toda a interface entre o pessoal, o biológico e o político. Nos interessa o que é trans: transgressor, transexual, transformista, transitório, transviado, excessivo. Aqui aparecerão feminismos, gêneros, diferenças sexuais, troca de órgãos, troca de corpos, troca de desejos. Transformações, cirurgias, esculturas hormonais — e o confinamento dos desejos pela medicalização, pela precarização que bloqueia os excessos, pelo medo. Os desejos pertencem à ordem dos contatos, dos contágios, das contingências que perpassam os corpos — cada poro de cada corpo está em disputa. Políticas as células, políticos os hormônios, políticas as dobras, políticos os neurônios. O que constitui um órgão sexual? Não acreditamos mais no esgoto a céu aberto que separa a alma da genitália. Queremos imaginar uma genitália sem órgãos, uma genitália que, como quis a Alex, do filme XXY, não precisa decidir: não precisa ser submetida aos contornos de nenhum órgão pré-imaginado. Nesse espaço surgem as distopias, as utopias e as heterotopias das constituições sexuais: os paus lésbicos, os prazeres minúsculos, as bucetas contrácteis, as máquinas de fazer orgasmo. Esbarramos com cyborgues, com mutantes, com nomadismos sexuais, as Dasputas e outras que fazem valer o zarô, cada centavo do eqüe. Não estamos à procura de novas identidades – queremos o esquizo que fica posto em baixo do tapete de todas as formas de sexo. Nos interessam as identidades que surgem: nem aquelas que se mantêm e nem aquelas que se corróem. A política dos corpos está contaminada de devires: aquilo que ainda não é, mas desponta, aquilo que coabita no emaranhado ecológico que forma os desejos, aquilo que pode vir a ser – a potência empapuçada de ato. Corpos podem ser usados, interferidos, operados, simulados, desviados. E só quando encontramos órgãos é que a anatomia é destino.
Esta coluna quer percorrer o poder subversivo do desejo de irromper as ruas com o corpo errado, com a roupa errada, com o gesto errado, com a velocidade errada. Ali há desejos de romper amarras, de balançar os fascismos estabelecidos, há desejo mais forte do que a disciplina e o controle – é a força da singularização que escapa das matrizes de inteligibilidade, das expectativas das interpretações e dos cálculos de qualquer mercado. E se liga! É um instante. O poder subversivo do desejo trans é o poder de escapar da ordem estabelecida e invoca a força daquilo que rompe. Política, política, política. O mercado suga a força dos desejos, cria um perfil do consumidor – que é sua matriz de inteligibilidade. Sem a matriz não há ordem, não há expectativa. A matriz é a política: dela sai a heterosexualidade compulsória, a vontade de família e propriedade (não necessariamente nessa ordem) e a binaridade dos sexos.
Anne Fausto-Sterling (The five sexes) já famosamente diagnosticava: pelo menos cinco sexos, três dos quais jogados no limbo da cirurgia de normalização. Tem uns que evocam eleven. É a força dos desejos que move as brechas nas matrizes – não há subversão sem desejo. Nesta coluna não há obsessões com porcas e parafusos fixos, pois nem somos feitas de aço inoxidável e nem de desejos curáveis. Esquizo. O esquizo escapa. Que tal eu virar Elke Maravilha e depois Barack Obama e depois Herculine Barbin e depois Max Ernst com formas de Carla Peres antes de você terminar de gozar? Não aceitamos a tirania das monoidentidades e queremos passar a portar mais de um equipamento sexual, seremos portadores de mais de uma fissura retroativa em mutação, portadores de mais de uma carteira de identidade – uma para cada órgão do corpo que formos inventando. Que é de lixo que somos feitos; no lixo da ordem estabelecida está aquilo que irrompe contra ela – queremos ser pinto no lixo, reciclados em cotovelo, tornozelo virado da mãe do avesso, toda provisória. Ciclados, reciclados, metareciclados, transreciclados, ciclosexuais. Inventar as sexualidades que nem existem. No meio do mercado, ah, ele que corra ou nos socorra!

Gabo

Estas navidades siniestras

Gabriel García Márquez

Ya nadie se acuerda de Dios en Navidad. Hay tanto estruendo de cornetas y fuegos de artificio, tantas guirnaldas de focos de colores, tantos pavos inocentes degollados y tantas angustias de dinero para quedar bien por encima de nuestros recursos reales que uno se pregunta si a alguien le queda un instante para darse cuenta de que semejante despelote es para celebrar el cumpleaños de un niño que nació hace 2.000 años en una caballeriza de miseria, a poca distancia de donde había nacido, unos mil años antes, el rey David. 954 millones de cristianos creen que ese niño era Dios encarnado, pero muchos lo celebran como si en realidad no lo creyeran. Lo celebran además muchos millones que no lo han creído nunca, pero le gusta la parranda, y muchos otros que estarían dispuestos a voltear el mundo al revés para que nadie lo siguiera creyendo. Sería interesante averiguar cuántos de ellos creen también en el fondo de su alma que la Navidad de ahora es una fiesta abominable, y no se atreven a decirlo por un prejuicio que ya no es religioso sino social.

Lo más grave de todo es el desastre cultural que estas Navidades pervertidas están causando en América Latina. Antes, cuando solo teníamos costumbres heredadas de España, los pesebres domésticos eran prodigios de imaginación familiar. El niño Dios era más grande que el buey, las casitas encaramadas en las colinas eran más grande que la virgen, y nadie se fijaba en anacronismos: el paisaje de Belén era completado con un tren de cuerda, con un pato de peluche más grande que un león que nadaba en el espejo de la sala, o con un agente de tránsito que dirigía un rebaño de corderos en una esquina de Jerusalén. Encima de todo se ponía una estrella de papel dorado con una bombilla en el centro, y un rayo de seda amarilla que habría de indicar a los Reyes Magos el camino de la salvación. El resultado era más bien feo, pero se parecía a nosotros, y desde luego era mejor que tantos cuadros mal copiados del aduanero Rousseau.

La mistificación empezó con la costumbre de que los juguetes no los trajeron los Reyes Magos -como sucede en España con toda razón-, sino el niño Dios. Los niños nos acostábamos más temprano para que los regalos llegaran pronto, y éramos felices oyendo las mentiras poéticas de los adultos. Sin embargo, yo no tenía más de cinco años cuando alguien en mi casa decidió que ya era tiempo de revelarme la verdad. Fue una desilusión no solo porque yo creía de veras que era el niño Dios quien traía los juguetes, sino también porque hubiera querido seguir creyéndolo. Además, por pura lógica de adulto, pensé entonces que también los otros misterios católicos eran inventados por los padres para entretener a los niños, y me quedé en el limbo. Aquel día -como decían los maestros jesuitas en la escuela primaria- perdía la inocencia, pues descubrí que tampoco a los niños los traían las cigüeñas de París, que es algo que todavía me gustaría seguir creyendo para pensar más en el amor y menos en la píldora.

Todo aquello cambió en los últimos treinta años, mediante una operación comercial de proporciones mundiales que es al mismo tiempo una devastadora agresión cultural. El niño Dios fue destronado por el Santa Claus de los gringos y los ingleses, que es el mismo Papá Noel de los franceses, y a quienes todos conocemos demasiado. Nos llegó con todo: el trineo tirado por un alce, y el abeto cargado de juguetes bajo una fantástica tempestad de nieve. En realidad, este usurpador con nariz de cervecero no es otro que el buen San Nicolás, un santo al que yo quiero mucho y porque es el de mi abuelo el coronel, pero que no tiene nada que ver con la Navidad, y mucho menos con la Nochebuena tropical de la América Latina. Según la leyenda nórdica, San Nicolás reconstruyó y revivió a varios escolares un oso que había descuartizado en la nieve, y por eso lo proclamaron el patrón de los niños. Pero su fiesta se celebra el 6 de diciembre y no el 25. La leyenda se volvió institucional en las provincias germánicas del Norte a fines del siglo XVIII, junto al árbol de los juguetes, y hace poco más de cien años pasó a Gran Bretaña y Francia. Luego pasó a Estados Unidos, y estos nos lo mandaron para América Latina, con toda una cultura de contrabando: la nieve artificial, las candilejas de colores, el pavo relleno y estos quince días de consumismo frenético al que muy pocos nos atrevemos a escapar. Con todo, tal vez lo más siniestro de estas Navidades de consumo sea la estética miserable que trajeron consigo: esas tarjetas postales indigentes, esas ristras de foquitos de colores, esas campanitas de vidrio, esas coronas de muérdago colgadas en el umbral, esas canciones de retrasados mentales que son los villancicos traducidos del inglés; y tantas otras estupideces gloriosas para las cuales ni siquiera valía la pena de haber inventado la electricidad.

Todo eso, en torno a la fiesta más espantosa del año. Una noche infernal en que los niños no pueden dormir con la casa llena de borrachos que se equivocan de puerta buscando donde desaguar, o persiguiendo a la esposa de otro que acaso tuvo la buena suerte de quedarse dormido en la sala. Mentira: no es una noche de paz y amor, sino todo lo contrario. Es la ocasión solemne de la gente que no se quiere. La oportunidad providencial de salir por fin de los compromisos aplazados por indeseables: la invitación al pobre ciego que nadie invita, a la prima Isabel que se quedó viuda hace quince años, a la abuela paralítica que nadie se atreve a mostrar. Es la alegría por decreto, el cariño por lástima, el momento de regalar porque nos regalan, y de llorar en público sin dar explicaciones. Es la hora feliz de que los invitados se beban todo lo que sobró de la Navidad anterior: la crema de menta, el licor de chocolate, el vino de plátano. No es raro, como sucede a menudo, que la fiesta termine a tiros. Ni es raro tampoco que los niños -viendo tantas cosas atroces- terminen por creer de veras que el niño Jesús no nació en Belén, sino en Estados Unidos.

Gabriel García Márquez. Colombiano. Escritor. Premio Nobel de Literatura en 1982.