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"Ensina-me SENHOR a ver as minhas próprias faltas e apaga-me a vocação de descobrir as faltas alheias." Emanuel

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

pensamentando

Carlos Pena Filho, o Poeta do Azul inscrito na eternidade
"Escrevo esse nome, e estou certo de que o inscrevo na eternidade. Pois me parece impossível que as presentes e as futuras gerações esqueçam o poeta encantador, tão cedo e tão tragicamente desaparecido". A citação é de Manuel Bandeira, que se referia, com tanta deferência, ao também recifense Carlos Pena Filho, cuja morte precipitada completa agora 50 anos. Mas, apesar da qualidade de seus versos tão ‘tingidos’ de beleza, Carlos Pena tem sua obra hoje muito menos difundida do que mereceria.

O poeta do Azul
Rebento da mesma terra que Bandeira e João Cabral de Melo Neto, Carlos Pena Filho conseguiu inserir-se no rol dos grandes, apesar de ter tido sua produção interrompida, aos 31 anos, por um acidente de carro que lhe tirou a vida. Sua poesia, criativa e sensível, é repleta de musicalidade e tem forte apelo visual.
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“Então, pintei de azul os meus sapatos/ por não poder de azul pintar as ruas,/ depois, vesti meus gestos insensatos/ e colori as minhas mãos e as tuas”. Os versos de Desmantelo Azul são exemplos da constante referência às cores, sempre presente em Carlos Pena Filho, que terminou conhecido como “O poeta do Azul”.

João Cabral, contudo, em um poema dedicado a Carlos Pena, associa-o a uma outra cor: “Todos os verdes que há no verde/ sabia (não mais os exerce):/ tinha-os da luz Pernambuco,/ que se traz dentro como um pulso,/ e pulsa mudo como o sangue,/ e nas marés sem gesto o mangue./ e nos pernambucanos age / como se fosse seu sotaque”.

Outro amigo ilustre, o sociólogo Gilberto Freyre descreve Carlos Pena como um “artista pictórico, a servir-se por vezes de palavras como se serviria de tintas”. Desta maneira, soa bastante adequada a homenagem que acontece, no Recife, para marcar as cinco décadas sem o poeta.

A mostra Carlos Pena Filho: 50 anos de Memória, que acontece até 16 de janeiro, une informações e documentos sobre a vida e a obra do autor a uma exposição na qual artistas e fotógrafos reinterpretam os versos do “pintor de palavra”.

Participam da empreitada nomes como Francisco Brennand – que tem um dos poemas dedicados a ele -, Dantas Suassuna, Rinaldo, Tereza Costa Rêgo e Tânia Carneiro Leão – viúva de Pena Filho. A mostra, que tem entrada gratuita, está em cartaz no Santander Cultural, na Avenida Rio Branco, 23, no Bairro do Recife. O Vermelho disponibiliza abaixo fotos de algumas dessas obras.

Histórico

Filho de portugueses, Carlos Pena nasceu no Recife, em 17 de maio de 1929. Com a separação dos pais, foi com a mãe para Portugal, aos oito anos, onde iniciou seus estudos. Só voltaria à cidade natal quatro anos mais tarde, para viver com o pai.

Formou-se na Faculdade de Direito do Recife, em 1957, mesmo ano em que se casou com Tânia Carneiro Leão, para quem, um dia, escreveu: “Por seres bela e azul e improcedente / é que sabes que a flor o céu e os dias/ são estados de espírito somente,/ como o leste e o oeste, o norte e o sul./ Como a razão por que não renuncias/ ao privilégio de ser bela e azul”.

O poeta, que tão bem falou da mulher e da subjetividade, também dedicou suas palavras a temas urbanos e sociais. Jornalista, escreveu para vários órgãos de imprensa, mas foi nos seus poemas que ficaram imortalizados os costumes de uma época e a vida boêmia do Recife. No seu “Guia Prático da Cidade do Recife”, ele cita o tradicional e resistente Bar Savoy, então reduto de artistas e intelectuais, onde muitas vezes varou madrugadas.

“Na avenida Guararapes,/ o Recife vai marchando./ O bairro de Santo Antonio,/ tanto se foi transformando/ que, agora, às cinco da tarde,/ mais se assemelha a um festim,/nas mesas do Bar Savoy,/ o refrão tem sido assim:/ São trinta copos de chopp,/ são trinta homens sentados,/ trezentos desejos presos,/ trinta mil sonhos frustrados.”

Também homenageou a cidade-irmã, com linhas que hoje vêm automaticamente à memória quando se pensa em Olinda. “Olinda é só para os olhos, / Não se apalpa, é só desejo./ Ninguém diz: é lá que eu moro/ Diz somente: é lá que eu vejo”.

Boa praça, culto, simpático, alegre e irônico, “charmosamente triste" – como disse o poeta e crítico Luiz Carlos Monteiro -, Carlos Pena, vivia cercado de amigos. E foi juntando o lirismo com a boemia, que ele tornou-se também compositor, parceiro do conterrêaneo Capiba. É dele, por exemplo, a letra do samba-canção A Mesma Rosa Amarela, que o Vermelho disponibiliza abaixo.

A obra

Carlos Pena teve seus primeiros poemas publicados no suplemento literário do Diario de Pernambuco, em 1950. Só lançaria seu livro de estreia, O tempo da Busca, dois anos depois. A próxima obra, Mamórias do Boi Serapião, viria em 1955, editado pelo O Gráfico Amador, que era um tipo de associação experimental de artes gráficas que funcionou no Recife durante aquela época.

O livro seguiu então os padrões da editora, que valorizava aspectos artísticos e gráficos. Desta forma, Memórias do Boi Serapião teve 140 exemplares numerados e assinados pelo autor. Em 1958 foi lançado A Vertigem Lúcida. E, no ano seguinte, O Livro Geral, que reunia toda a sua obra poética já editada, mais alguns poemas novos.

O fim e a permanência

“Quando eu morrer, não faças disparates / nem fiques a pensar: “Ele era assim...”/ Mas senta-te num banco de jardim/ calmamente comendo chocolates./ Aceita o que te deixo, o quase nada/ destas palavras que te digo aqui:/Foi mais que longa a vida que eu vivi,/ para ser em lembranças prolongada.”

As palavras acima, escritas pelo poeta, pareciam prever que seus dias seriam poucos. No dia 27 de junho de 1960, Carlos Pena Filho sofreu um acidente de carro. Quatro dias depois, deixava este mundo. Mas, diferente do que pede no seu Testamento de um Homem Sensato, não pôde ser esquecido.


Ouça a música "A mesma rosa amarela", de Capiba e Carlos Pena Filho, na voz de Maysa:



Veja abaixo fotos de Carlos Pena Filho e de trabalhos de artistas baseados em poemas dele. O material integra a mostra Carlos Pena Filho: 50 Anos de Memória.



Acima, a primeira foto registra o casamento de Carlos Pena Filho com Tânia Carneiro Leão. No Centro, o poeta carrega a única filha, Clara, na época com 1 ano e 8 meses. À direita, Carlos Pena ao lado do sociólogo Gilberto Freyre.



Acima, na primeira foto, o escritor Jorge Amado e os poetas Sosígenes Costa e Carlos Pena Filho. Na segunda imagem, da eqquerda para a direita, Carlos Pena Filho, Sylvio Rabello, Gilberto Freyre, Paulo Rangel Moreira e Murilo Costa Rego.



Acima, à esquerda, "Rosas Azuis", quadro da viúva Tânia Carneiro Leão, baseado em "Soneto", de Carlos Pena Filho, poema que diz: "Por seres bela e azul e improcedente/ é que sabes que a flor o céu e os dias/são estados de espírito somente,/como o leste e o oeste, o norte e o sul./ como a razão por que não renuncias/ao privilégio de ser bela e azul". À direita, quadro "A mesma rosa amarela", de Tereza Costa Rego, baseado no poema de mesmo nome.



Acima, à esquerda, foto em que Isaías Belo retrata o artista Francisco Brennand, a quem Carlos Pena Filho dedicou o poema "A solidão e sua porta", que dá nome à fotografia. À direita, "Iansã", quadro de Bruno Vilela, inspirado em "Soneto", de Carlos Pena Filho.

Segue trecho: "O quanto perco em luz conquisto em sombra./ E é de recusa ao sol que me sustento./ Às estrelas, prefiro o que se esconde/ nos crepúsculos graves dos conventos./ Humildemente envolvo-me na sombra/ que veste, à noite, os cegos monumentos/ isolados nas praças esquecidas/ e vazios de luz e movimento".


Por Joana Rozowykwiat
Da Redação

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(vermelho.org)

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