Democracia:

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"Ensina-me SENHOR a ver as minhas próprias faltas e apaga-me a vocação de descobrir as faltas alheias." Emanuel

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Pensamentando - II

{ao escrever, sinto que sou uma fenda entre o vazio escuro do silêncio e a compota de palavras que embolora dentro de um jarro de diamante trincado. sinto que sou o facho de luz negra vazando sobre o avesso da reflexão. sinto o papel como úmida flâmula da qual se desprende o vento que a faz dançar, e que me atinge os cílios, que enche meus olhos da poeira de letras trituradas em cada vão de grafite apagado. sinto o vertiginoso feitiço daquele que se entrega ao próprio nada, que também é tudo, e que por isso é completude incompleta. sinto que sou o meu próprio desejo, a coisa intocável mesmo por mim, sinto que sou a parte abstrata que escorre para fora, que sou eu mas é além, que é meu dentro fora. sinto que sou a caverna que protege os espasmos de personagens vivos e mortos, fantasmagorias estilhaçadas de minha personalidade inconstante, o escuro onde os morcegos são pedaços de breu criativo, o claro das pedras e de seus corações de pedra, que pulsam sonhos duros, inquebrantáveis, e onde sobre elas macero a fuga das ideias para fazer vinho. ao escrever, sinto que toco um profundo elástico, que toca outro logo embaixo, que então por sua vez toca o incompreensível. sinto que sou o histriônico campo gravitacional de um buraco negro, e que tudo que de mim se desprende na velocidade da luz, como borboletas de aço atraídas subitamente por nuvens de ímã, atira-se à boca do meu âmago, o próprio buraco negro que me engole durante a incessante criação. ao escrever, não sinto que me exploro ou que exploro coisa alguma, porque sou o corpo em que a exploração se dá, o canal por onde o mundo represa o tempo, este ser vivo que não está nos relógios ou no irreparável cozimento do sol, mas no contorno ágrafo da vida, parasita da ficção.}
(O Pensador Selvagem)

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